4. Os dez princípios conservadores
Por outro lado, a simples crença na existência da natureza humana não tem substrato suficiente para compor uma doutrina. Para isso, é preciso um conjunto de princípios que possam originar suas diversas ramificações. Quem se incumbiu formidavelmente dessa tarefa foi Russel Kirk, que, em sua obra “The Conservative Mind”, enunciou os dez princípios conservadores. Tais princípios serão, a seguir, apresentados, nos termos da tradução realizada pelo Padre Paulo Ricardo.
Primeiro: o conservador crê que existe uma ordem moral duradoura. Como visto, a natureza humana é uma constante e, portanto, as verdades morais são permanentes. Uma sociedade em que homens e mulheres são governados pela crença em uma ordem moral duradoura, por um forte sentido de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra, será uma boa sociedade – não importa que mecanismo político se possa usar; enquanto, se uma sociedade for composta de homens e mulheres moralmente à deriva, ignorantes das normas, e voltados primariamente para a gratificação de seus apetites, ela será sempre uma má sociedade – não importa o número de seus eleitores e não importa o quanto seja progressista sua constituição formal.
Segundo: o conservador adere ao costume, à convenção e à continuidade. Os conservadores são defensores do costume, da convenção e da continuidade porque preferem o diabo conhecido ao diabo que não conhecem. Eles creem que ordem, justiça e liberdade são produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos de tentativas, reflexão e sacrifício. A necessidade de uma mudança prudente está na mente de um conservador. Mas a mudança necessária, advertem os conservadores, deve ser gradual e discriminativa, nunca se desvencilhando de uma só vez dos antigos cuidados.
Terceiro: os conservadores acreditam no “princípio do pré-estabelecimento”. Os conservadores percebem que as pessoas atuais são anãs nos ombros de gigantes, capazes de ver mais longe do que seus ancestrais apenas por causa da grande estatura dos que nos precederam no tempo. Por isto os conservadores, com frequência, enfatizam a importância do pré-estabelecimento – ou seja, as coisas estabelecidas por costume imemorial, de cujo contrário não há memória de homem que se recorde. Os conservadores argumentam que seja improvável que nós, modernos, façamos alguma grande descoberta em termos de moral, de política ou de bom gosto.
Quarto: os conservadores são guiados pelo princípio da prudência. Toda posição política deveria ser medida a partir das prováveis consequências de longo prazo, não apenas pela vantagem temporária e pela popularidade. Os progressistas e os radicais, dizem os conservadores, são imprudentes: porque eles se lançam aos seus objetivos sem dar muita importância ao risco de novos abusos, piores do que os males que esperam varrer. Sendo a sociedade humana complexa, os remédios não podem ser simples, se desejam ser eficazes. O conservador afirma que só agirá depois de uma reflexão adequada, tendo pesado as consequências.
Quinto: os conservadores prestam atenção no princípio da variedade. Eles gostam do crescente emaranhado de instituições sociais e dos modos de vida tradicionais, e isso os diferencia da uniformidade estreita e do igualitarismo entorpecente dos sistemas radicais. Em qualquer civilização, para que seja preservada uma diversidade sadia, devem sobreviver ordens e classes, diferenças em condições matérias e várias formas de desigualdade. Uma sociedade precisa de liderança honesta e capaz; e, se as diferenças naturais e institucionais forem abolidas, algum tirano ou algum bando de oligarcas desprezíveis irá rapidamente criar novas formas de desigualdade.
Sexto: os conservadores são refreados pelo princípio da imperfectibilidade. A natureza humana sofre irremediavelmente de certas falhas graves, bem conhecidas pelos conservadores. Sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita poderá jamais ser criada. Buscar a utopia é terminar num desastre, dizem os conservadores: nós não somos capazes de coisas perfeitas. Tudo o que podemos esperar razoavelmente é uma sociedade que seja sofrivelmente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustes e desprazeres continuarão a se esconder.
Sétimo: os conservadores estão convencidos de que liberdade e propriedade estão intimamente ligadas. Separe a propriedade do domínio privado e Leviatã se tornará o mestre de tudo. Sobre o fundamento da propriedade privada, construíram-se grandes civilizações. Quanto mais se espalhar o domínio da propriedade privada, tanto mais a nação será estável e produtiva. Os conservadores defendem que o nivelamento econômico não é progresso econômico. Aquisição e gasto não são as finalidades principais da existência humana; mas deve-se desejar uma sólida base econômica para a pessoa, a família e o estado.
Oitavo: os conservadores promovem comunidades voluntárias, assim como se opõem ao coletivismo involuntário. Uma nação não é mais forte do que as numerosas pequenas comunidades pelas quais é composta. Uma administração central, ou um grupo seleto de administradores e servidores públicos, por mais bem intencionado e bem treinado que seja, não pode produzir justiça, prosperidade e tranquilidade para uma massa de homens e mulheres privada de suas responsabilidades de outrora. Essa experiência já foi feita; e foi desastrosa. É a realização de nossos deveres em comunidade que nos ensina a prudência, a eficiência e a caridade.
Nono: o conservador percebe a necessidade de uma prudente contenção do poder e das paixões humanas. Sabendo que a natureza humana é uma mistura do bem e do mal, o conservador não coloca sua confiança na mera benevolência dos governantes. Restrições constitucionais, freios e contrapesos políticos (checks and balances), correta coerção das leis, a rede tradicional e intricada de contenções sobre a vontade e o apetite – tudo isso o conservador aprova como instrumento de liberdade e de ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da autoridade e as reivindicações da liberdade.
Décimo: o pensador conservador compreende que a estabilidade e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade robusta. O conservador não se opõe ao aprimoramento da sociedade, embora ele tenha suas dúvidas sobre a existência de qualquer força parecida com um místico Progresso, com P maiúsculo, em ação no mundo. Ele pensa que o progressista e o radical, cegos aos justos reclamos da Conservação, colocariam em perigo a herança que nos foi legada, num esforço de nos apressar na direção de um duvidoso Paraíso Terrestre. O conservador, em suma, é a favor de um razoável e moderado progresso; ele se opõe ao culto do Progresso, cujos devotos creem que tudo o que é novo é necessariamente superior a tudo o que é velho.
O último princípio requer um comentário à parte: o conservadorismo não se opõe à mudança e ao progresso, mas apenas é prudente com relação a eles. Sabe, em primeiro lugar, que qualquer mudança deve ser detidamente examinada com prudência, sem a ilusão de que a simples circunstância de ser “novidade” não faz uma ideia melhor que suas antecessoras. Sabe-se que a sede desenfreada de mudança provocou desastres humanitários como a Revolução Francesa e a Revolução Russa. Além disso, a natureza humana impõe que determinadas valores sejam definitivamente preservados, ou seja, protegidos de quaisquer “medidas tendentes a aboli-los” .
Portanto, não se pode identificar o conservador com o reacionário, aquele cuja postura implica contrariedade a qualquer mudança. O conservador aceita a mudança; apenas requer que ela seja prudente, gradual e tenha deferência por determinados valores fundamentais.
(continua amanhã)
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