Por Fernando Saldanha
A frase “Insanity is doing the same thing over and over again but expecting different results” (“Loucura é continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes”) é frequentemente atribuída a Albert Einstein. Não existe evidência sugerindo que Einstein disse isto. Talvez a atribuição seja devida à similaridade com uma outra frase famosa, esta sim do criador da Teoria da Relatividade: “God does not play dice” (“Deus não joga dados”). Einstein fez esta afirmação no contexto de sua cruzada contra o Princípio da Incerteza de Werner Heisenberg, um dos fundadores da mecânica quântica. O Princípio da Incerteza diz que a incerteza é “essencial” no universo. Se jogamos um dado sabendo com grande precisão a posição, a velocidade inicial, as características da mesa, etc., então seria possível calcular que face o dado vai mostrar ao se estabilizar. O Princípio da Incerteza diz que o raciocínio análogo não vale para escalas infinitesimais. Os experimentos de Alain Aspect em 1981-82 demonstraram conclusivamente que as desigualdades de Bell valem e portanto Einstein estava errado.
O Princípio da Incerteza não se aplica no nível “macro”e em particular na macroeconomia. Sem querer questionar a sanidade mental dos dirigentes da política econômica, cabe perguntar por que o governo continua ”estimulando” a economia sem ver evidência de aceleração do crescimento. Uma resposta poderia ser que o governo só entendeu metade da Teoria Keynesiana. Durante os anos da Grande Depressão Keynes afirmou que aumentos nos gastos do governo teriam um efeito estimulativo sobre a economia. Em seu diagnóstico o desemprego seria devido a uma insuficiência de demanda agregada. Aumentos de gastos do governo constituiriam em si mesmos um aumento da demanda agregada e teriam também efeitos secundários (o “efeito multiplicador”) sobre a demanda.
Existem controvérsias sobre a validade da Teoria Keynesiana. Nos anos 70, submetida à “Crítica de Lucas” (Robert Lucas, Jr. ganhou prêmio Nobel de economia em 1995) ela foi praticamente abandonada no meio acadêmico. Mais tarde surgiu a Nova Teoria Keynesiana e as ideias de Keynes voltaram a ser respeitadas por muitos economistas acadêmicos. Sem entrar no debate, vamos aceitar que aumentos nos gastos do governo (ou cortes de impostos) possam estimular uma economia com um alto nível de desemprego. Não podemos concluir que a economia brasileira, hoje, possa ser estimulada desta forma. Isto porque o nível de desemprego atual é o mais baixo de nossa história. De fato, os últimos dados de crescimento do PIB (0,6% no terceiro trimestre) não são evidência de efeitos positivos das medidas recentes.
Quais seriam então os efeitos das medidas do governo. À primeira vista pode-se pensar que o único efeito seria um superaquecimento do mercado de trabalho e um consequentemente uma aceleração da inflação. Uma análise mais detalhada sugere a existência de outros efeitos de longo prazo ainda mais perniciosos. Os ”estímulos” tem sido direcionados para o consumo. Em uma economia em pleno emprego o “tamanho do bolo” é aproximadamente fixo. Como os gastos do governo podem ser considerados como incompressíveis, as leis inexoráveis da contabilidade determinam que um aumento do consumo tem que se refletir seja em uma diminuição do investimento ou em uma deterioração na balança comercial (ou nas duas coisas). O fraco desempenho do investimento no terceiro trimestre (queda de 2%) não deve portanto surpreender.
Embora no curto prazo as medidas de “estímulo” só façam desviar a demanda para o investimento ou para o consumo, sem afetar significantemente o nível de atividade, no longo prazo elas tem forte impacto negativo sobre a taxa de crescimento da economia. A razão Investimento/PIB ficou em pífios 18,7% no terceiro trimestre, perto da média histórica e a léguas de distância dos níveis necessários para taxas de crescimento como as desejadas pelo governo. No longo prazo as medidas de “estímulo” tendem a reduzir razão Investimento/PIB e portanto a taxa de crescimento do PIB. No plano da psicologia do empresário isto se reflete em uma falta de vontade de investir devida ao aumento da incerteza e à maneira truculenta como o governo tem tratado alguns setores empresariais. Esta reação psicológica tem seu lado positivo: se os empresários estivessem tentando investir mais a taxa de inflação estaria bem mais alta, mas os efeitos sobre o PIB seria reduzidos, dados os “gargalos” existentes.
A economia brasileira cresceu a taxas relativamente altas desde 2003, quando o presidente Lula assumiu o poder. Uma extrapolação simples sugere que a economia pode continuar a crescer rapidamente. Entretanto, se olhamos para o mercado de trabalho, vemos que não é bem assim. A taxa de desemprego estava acima de 12% em 2003, e ao longo do tempo caiu para cerca de 5%, o que representa pleno emprego. Incorporar uma massa de trabalhadores desempregados ao setor produtivo tem efeitos óbvios e diretos sobre o PIB, além de efeitos indiretos associados ao aumento na demanda agregada. Mas tudo isto está no passado. A taxa de crescimento demográfico brasileira está na vizinhança de 1% ao ano. No longo prazo esta vai ser também a taxa de crescimento da mão de obra. Para que a economia brasileira cresça rapidamente pelo menos uma de duas coisas teria que acontecer: um forte aumento da razão Investimento/PIB ou uma rapida diminuição dos entraves regulatórios e burocráticos à atividade econômica. As medidas recentes do governo não ajudam (e até atrapalham) em nenhuma destas duas áreas.
Assumindo que argumento acima está correto (e obviamente há quem discorde, mesmo fora do governo), então nos próximos meses vamos observar uma progressiva discrepância entre as projeções de crescimento do governo e a realidade. Cabe perguntar se, neste cenário, o governo vai “continuar fazendo a mesma coisa” ou vai modificar sua estratégia.
A popularidade do governo depende tanto da manutenção de um alto nível de emprego como de reduções no nível de desigualdade econômica. A manutenção das políticas atuais em um cenário de pleno emprego atinge estes dois objetivos, embora ao custo de crescente inflação e baixas taxas de crescimento. Assumindo que o objetivo dos governantes é se perpetuar no poder, eles podem “continuar fazendo a mesma coisa” sem risco de serem acusados de insanidade ou de só terem entendido parte da Teoria Keynesiana. Por outro lado, se o objetivo dos governantes é fazer a economia crescer rapidamente com baixas taxas de inflação então mudanças radicais se tornam necessárias. Neste caso “continuar fazendo a mesma coisa” justificaria questionamentos sobre a capacidade dos condutores da política econômica.
*Fernando Saldanha é PhD em economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Trabalhou 10 anos no Banco Mundial em Washington, DC. Como “Sênior Financial Officer”
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