Houve tempo em que o regime de política econômica no Brasil era bem diferente da desorganização que hoje floresce sob o nome de “nova matriz macroeconômica”. A taxa de câmbio flutuava, o superavit primário realmente existia e o Banco Central perseguia a meta anunciada de inflação, em vez de procurar desculpas para seu próprio fracasso.
Naquela época também não faltavam críticos a apontar como alternativa à “ortodoxia” os regimes seguidos por outros países latino-americanos, que, segundo nossos “keynesianos de quermesse”, cresceriam mais que o Brasil, sem pôr em risco a estabilidade.
Argentina e mesmo a Venezuela foram indicados, mais de uma vez, como modelos de países que, livres da “ideologia neoliberal”, seriam os faróis do desenvolvimento regional.
Lamentavelmente esses críticos, alguns dos quais são considerados os únicos economistas respeitados pela presidente, acabaram prevalecendo. O Brasil vem gradualmente abandonando o regime anterior, de forma algo envergonhada, é verdade, mas não menos real. Não chegamos, provavelmente por falta de tempo, aos extremos observados naqueles países, um golpe de sorte que não pode ser desperdiçado.
De fato, um breve exame mostra como aquelas economias passam por degradação visível. Na Venezuela, a inflação já passa dos 50% nos últimos 12 meses, feito que lhe garante o título mundial na modalidade, enquanto na Argentina as estimativas privadas de inflação (já que ninguém acredita no número oficial, 10,5% nos 12 meses até outubro) já se encontram na casa de 25%, apesar dos controles oficiais de preços em ambos os casos.
Esses países também enfrentam sangria considerável de suas reservas. Na Venezuela, os dólares em mãos do governo caíram de cerca de US$ 30 bilhões no início do ano para pouco menos de US$ 21 bilhões na semana passada; na Argentina, no mesmo período, vieram de US$ 47 bilhões para US$ 33 bilhões.
Esses números são uma indicação clara de vastos desequilíbrios externos e só não são ainda piores porque, também nos dois casos, controles de câmbio são prevalentes, impedindo que a população tenha acesso à moeda estrangeira até para pagar importações essenciais.
Para completar o quadro, a desorganização econômica – resultante de controle de preços e câmbio – é também visível: falta de produtos e mercados paralelos realimentam a intervenção governamental, aprofundando o problema. Caso algum historiador da nova geração queira saber como se comportavam as economias latino-americanas nos anos 1980, de nada saudosa memória, não precisa fazer nada além de observar o desempenho desses países.
O contraste não poderia ser maior na comparação com outras nações que, ao contrário do Brasil, mantiveram seus regimes em boa forma. Chile, Colômbia, Peru e México (embora este último apresente características algo distintas dos demais) têm desempenho bastante superior. Inflação controlada, balanço de pagamentos em ordem, finanças públicas idem, sem contar o crescimento mais rápido.
Muito embora não se trate de um experimento controlado, há fortes evidências indicando que os países que privilegiaram a estabilidade estão se saindo melhor do que aqueles que a desprezaram em nome das miragens de curto prazo.
Temos, portanto, a vantagem de poder observar essas trajetórias e, talvez, retomar o curso anterior, ainda mais aproveitando o silêncio (quando não abjuração) dos “desenvolvimentistas” quanto ao fracasso das suas experiências na América Latina.
Apesar disso, as chances do retorno ao tripé macroeconômico num futuro próximo permanecem baixas. Não apenas o calendário político conspira contra a austeridade mas a convicção governamental acerca da “nova matriz macroeconômica” parece imune às doses de realidade gentilmente oferecidas pelos nossos vizinhos.
Inflação alta e crescimento baixo continuarão como marcas registradas do triunfo da mediocridade no Brasil.
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