Subestimar a importância da educação para o crescimento é uma constante no Brasil, principalmente na esquerda
Esta é a terceira coluna que trata do tema da educação e crescimento. A importância do assunto, para mim, está no fato de que há uma percepção bem estabelecida por diversos pensadores brasileiros de que a educação é mais resultado do crescimento do que causa.
Somente para mencionar o mais influente de todos, esse era certamente o entendimento de Celso Furtado. Na sua obra, em mais de 30 títulos publicados ao longo de mais de quatro décadas sobre o subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano, não há nenhuma menção à importância da educação para o crescimento.
Assim, subestimar a importância da educação para o crescimento é uma constante no pensamento econômico brasileiro, em particular para os economistas com uma visão à esquerda.
Na primeira coluna mostrei como a forte associação entre maiores salários e maiores níveis educacionais é causal. Mais educação dota o trabalhador de habilidades que elevam a sua produtividade e, consequentemente, elevam o salário.
Na coluna seguinte abordei as dificuldades de associar, em termos agregados, elevações da escolaridade com crescimento. O motivo é a dificuldade de obter bases de dados amplas, para diversos países e variados pontos no tempo, dos anos de escolaridade da população trabalhadora.
A academia anda. Hoje já temos bases de dados relativamente boas para diferenças de qualidade da educação. Qualidade entendida com o desempenho dos alunos em testes padronizados de matemática, leitura e ciências.
Com essas novas bases de dado de boa qualidade, observa-se uma associação fortíssima entre qualidade do sistema educacional e crescimento econômico.
Finalmente, há inúmeras evidências que sugerem que a relação entre qualidade da educação e crescimento econômico é causal. A melhora da qualidade causa aceleração do crescimento, e não o oposto. Os estudos utilizam diversas técnicas econométricas diferentes, que conseguem superar a grande dificuldade estatística de estabelecer nexos causais.
Em particular, há evidências de que o crescimento econômico e a consequente expansão da renda não são importantes para melhorar significativamente a qualidade da educação.
Recentemente meu colega Marcelo Miterhof, que ocupa este espaço às quintas-feiras, levantou o que seria uma interessante evidência sugerindo causalidade reversa, contrária à evidência no parágrafo anterior.
O recente relatório da OCDE com os resultados do Pisa (Programme for International Student Assessment) mostrou que boa parte do avanço nos resultados dos estudantes brasileiros deve-se à melhora das condições socioeconômicas das famílias. Seria, portanto, segundo Miterhof, evidência de que melhora educacional é mais consequência do que causa do crescimento.
Ao menos dois motivos sugerem que essa argumentação é muito pouco convincente.
Primeiro, um dos elementos que explicam o ganho de renda das famílias e, consequentemente, das condições socioeconômicas é a melhora educacional dos pais. Como mostrei na coluna do dia 1º, há sólida evidência de que maior educação causa ganhos de renda.
O segundo motivo é que uma das variáveis mais importantes para caracterizar condições socioeconômicas é a educação dos pais.
Há sólida evidência de que a educação dos pais, principalmente a da mãe, está associada ao melhor desempenho dos filhos na escola. Sabe-se que pais mais educados conseguem construir ambiente doméstico que favorece o desempenho escolar dos filhos.
Ou seja, o resultado é inverso. Há efeitos positivos adicionais da educação sobre o crescimento além dos impactos diretos da educação sobre a produtividade da pessoa na sua atividade profissional. O esforço educacional de uma sociedade também contribui para que se melhore a qualidade dos pais.
Como o que importa para a relação entre crescimento e educação é a qualidade, esse efeito indireto de difícil mensuração deve ser muitíssimo importante.
Fonte: Folha de S. Paulo, 22/12/2013
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