Diante da perda de participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), o governo tem prometido que “o Brasil não se tornará uma economia de serviços”. Promessa difícil de cumprir, pois os serviços têm um papel de grande destaque em qualquer economia. Uma vez que eles constituem o segmento de maior expressão dentro do grupo dos “não comercializáveis com o exterior”, todo aumento de demanda aí registrado terá de ser atendido por meio da expansão da produção interna. No Brasil, seu peso no PIB chega perto de 70%.
Num cenário como esse, sem investimentos suficientes em serviços de transportes, os fretes sobem muito e a economia cresce menos; se o país não investe em energia elétrica, o risco dos apagões é maior; e assim por diante. Logo, quando o governo não atrapalha as coisas nos segmentos em que tem grande ingerência, é para os serviços que se dirige naturalmente boa parte da poupança disponível na economia. Outra parcela vai para o setor de commodities, em que consumimos pouco em relação ao que produzimos e nos tornamos altamente competitivos nos últimos anos, a despeito das deficiências de infraestrutura. Já para boa parte da indústria, o crescimento do consumo – alimentado pelas fontes de propulsão do atual modelo econômico e por paradoxal que pareça – desestimula os investimentos.
Orientado basicamente para o mercado interno e com os preços em dólar determinados basicamente no exterior, esse segmento é, em princípio, pouco competitivo em relação aos fornecedores de fora. Se a demanda sobe, como aconteceu em 2003-2008, aumenta o preço de serviços em relação aos da indústria, que não consegue pagar os mesmos incrementos de salários que ocorrem naqueles. Sobem também, em consequência, as importações industriais e o déficit com o exterior. Havendo financiamento externo suficiente, esse processo tende a se repetir ao longo do tempo. Ao final, constata-se que ingressou poupança externa adicional para complementar a baixa disponibilidade interna derivada do modelo pró-consumo.
Visto de outra forma, nas fases de forte expansão do consumo, a economia se movimenta para viabilizar o ingresso de poupança externa, por meio da citada mudança de preços relativos, que só se materializa se houver um déficit externo da mesma magnitude. Essa foi, basicamente, a forma como a economia brasileira passou de um crescimento médio de 2,7% ao ano para cerca de 4,5% entre o início dos anos 2000 e o auge da crise do subprime. Na sequência, o déficit externo poderia continuar crescendo até ficar insustentável, hora em que a taxa de câmbio tenderia a se depreciar, revertendo o processo anterior.
Confrontado com tal realidade, em vez de rediscutir o modelo pró-consumo e buscar uma solução sustentável para a indústria, o governo reagiu com a adoção de: 1) tarifas aduaneiras mais altas e outras barreiras à entrada de produtos estrangeiros, que passaram a ser contestadas pela OMC; 2) fartos financiamentos oficiais subsidiados ao setor, especialmente por meio do BNDES; 3) desvalorização forçada da moeda; 4) ampla desoneração de tributos incidentes sobre o ramo industrial; e 5) achatamento de tarifas públicas, principalmente as de energia elétrica, buscando reduzir custos para a indústria, ainda que apenas no curto prazo.
Isso tem trazido uma série de novos – ou velhos – problemas, sem que os indicadores relacionados com a razão investimento/PIB e o nível de produção da indústria tenham esboçado qualquer reação relevante. Várias daquelas providências causaram forte deterioração dos resultados fiscais, algo que, mais uma vez, tem assustado os investidores em papéis públicos. Teme-se inclusive uma nova crise na área. Além disso, há óbvia perda de eficiência econômica, um efeito depressivo sobre os investimentos nas áreas em que os preços foram achatados e o impacto inflacionário da desvalorização forçada da moeda. É preciso comparar, assim, os custos e benefícios de todas essa ações e perguntar se, em vez de tanta mexida, não seria a hora de rever o modelo em vigor.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/01/2014
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