A morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão na quinta-feira, 6, durante um protesto no Rio, aprofundou a discussão sobre a legitimidade do uso da violência por manifestantes em protestos. Abaixo, o antropólogo Roberto DaMatta reflete sobre questões-chave levantadas após o incidente com o profissional da Band:
Estado de S. Paulo: O que pode significar para os movimentos sociais a morte do cinegrafista?
DaMatta: Os movimentos sociais continuam. Eles são parte integral das democracias liberais e, como tal, são um apanágio da liberdade de expressão. Agora, a morte do cinegrafista demarca um limite. Significa que todo exercício de liberdade obriga à responsabilidade porque ela se regula em relação à liberdade dos outros. Todo ativismo produz outros ativismos. Para que todos sejam legítimos, eles não podem se matar mutuamente. A morte é o limite neste nosso mundo. E a morte de um profissional da imprensa deve mudar a conduta dos manifestantes e de um certo tipo de ativismo que atua destruindo e não criticando as chamadas grandes corporações, o consumismo e o capitalismo globalizado. A morte deve ser tomada como um aviso. A violência é uma ausência de diálogo e de mediação. E uma das mensagens mais fortes das manifestações é exatamente chamar a atenção para algum problema para que seja corrigido ou evitado. Não é com violência e com morte que se consegue isso.
Estado de S. Paulo: Os black blocs ainda têm legitimidade?
DaMatta: Terão legitimidade se tirarem as máscaras. Numa democracia, como num jogo de futebol, o adversário é visível e claro. O outro time não usa máscaras. A máscara é o signo da corrupção, da covardia, da irresponsabilidade e da tentativa de ser violento impunemente.
Estado de S. Paulo: Qual a alternativa para a sociedade civil lutar pelos seus direitos sem violência?
DaMatta: A democracia se entende como tal exatamente pela crença e pelo ideal segundo o qual é possível resolver questões sociais e políticas pacificamente, sem o enfrentamento brutal e destrutivo que causa danos e, no caso em pauta, leva ao fim e à morte. Ser democrata é ser capaz de sair de si mesmo e ver o outro. Mesmo quando não concordamos com esse outro.
Fonte: Estado de S. Paulo 11/2/2014
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