A liberdade é um princípio muito discutido na internet. Conectados em rede, os usuários se sentem livres para expressar opinião, trocar informações, consumir, comercializar, se relacionar etc. Assim como em outros espaços de interação social, a web possui regras e códigos de funcionamento. Para compreender a dinâmica do ambiente virtual, o Instituto Millenium entrevistou Fábio Barbosa, presidente do Grupo Abril e ex-presidente do Santander. Ele explica que é fundamental encontrar “o equilíbrio correto entre regulação e liberdade”. Barbosa acredita que as discussões sobre o Marco Civil, a privacidade, os modelos de negócios e a liberdade de expressão contribuem para o amadurecimento da internet. Leia:
Instituto Millenium: Quais são as principais ameaças à liberdade no mundo digital?
Fábio Barbosa: São vários os valores e princípios que estão em discussão no mundo digital, como por exemplo, a questão da proteção à privacidade e da neutralidade da rede. Mas há outras também que devem ser consideradas. Por exemplo, a a inovação, que se traduz na importância de manter a internet aberta a novos modelos de negócio e ao empreendedorismo. Nesse contexto, é fundamental o equilíbrio correto entre regulação e liberdade. Por ser dinâmica e transnacional, a internet desperta visões contraditórias nos diferentes governos.
Imil: O que pode ser feito para garantir direitos individuais, como o direito à privacidade, aos usuários brasileiros?
Barbosa: É preciso garantir por lei que o judiciário esteja sempre envolvido na análise de quando deve haver ou não divulgação de dados dos usuários. Nessa questão, o Marco Civil está apontando na direção correta. Além disso, é preciso cuidar de outros direitos, como a liberdade de expressão na rede. A época de eleições é o momento em que a liberdade de expressão torna-se mais importante para o país, por isso, ela precisa ser protegida na rede da mesma forma como é fora dela. Dentro desse tópico, cabe ainda ressaltar a correta aplicação das leis de direitos autorais, pilar fundamental para o desenvolvimento de uma série de indústrias.
Imil: Como o senhor avalia a posição do Brasil em relação às políticas de privacidade na rede?
Barbosa: Ao mesmo tempo em que é preciso reconhecer os modelos de negócio da rede, muitos deles baseados na publicidade e no processamento de dados dos usuários, é também importante estabelecer os contornos para a realização desse tipo de atividade. Essa é uma decisão que terá de ser tomada não só pelo Brasil, como por muitos outros países nos próximos anos. Novamente é importante o correto balanço para que modelos de negócios e, em última instância, a própria competitividade das empresas brasileiras no cenário global não fiquem prejudicados.
Imil: O Marco Civil da Internet está em votação no Congresso. Você acha que a regulamentação é o caminho para garantir um ambiente digital mais livre? Por quê?
Barbosa: A necessidade de um Marco Civil é bastante clara. Hoje vivemos em um ambiente de incerteza jurídica. Nem o empreendedor nem o usuário sabem exatamente quais são seus direitos e deveres. Para piorar, o judiciário também está desamparado. Sem uma lei que trate da rede, as decisões judiciais são desencontradas e muitas vezes contraditórias. É preciso estabelecer quais são as regras do jogo. Outros países, como os europeus, os EUA e mesmo vizinhos latino-americanos, já fizeram isso há muitos anos. Ter regras do jogo claras gera um impacto positivo no desenvolvimento da rede do país, tanto em termos de investimentos, quanto para os usuários.
Imil: Um dos pontos mais polêmicos do Marco Civil é a exigência de que as empresas de internet armazenem os dados dos usuários brasileiros no país. Como você avalia essa medida? Qual será o impacto dessa medida para o setor?
Barbosa: Um datacenter representa um investimento de dezenas ou até centenas de milhões de dólares. A questão é que há várias formas de atrair esses investimentos, por exemplo, o aprimoramento da infraestrutura, a melhora da conectividade do país tanto interna como externamente.
Um datacenter é como um grande armazém atacadista. Ele em geral é instalado onde há boas estradas, bons entroncamentos rodoviários e ferroviários. Investir em infraestrutura é bem melhor do que obrigar a implantação forçada de centros de dados no país. Fazer de maneira errada pode gerar o efeito contrário, criando uma situação de competitividade pior para as empresas que operarem a partir do Brasil e podendo, neste caso, afastar investimentos em vez de de atrair.
Além disso, a medida é inócua no sentido de proteção dos dados. Com as redes completamente interligadas, um teórico risco de espionagem pode acontecer de qualquer parte do mundo em qualquer centro de processamento de dados.
Imil: Além de se relacionar pela rede, através do Facebook, Twitter e Instagram, o brasileiro também realiza muitas operações comerciais e investe em empreendimentos on-line. Qual a importância da segurança e da liberdade na internet para o desenvolvimento econômico do país?
Barbosa: A importância é muito grande. Existe hoje toda uma geração de jovens no país que quer empreender na internet, inspirada pelos jovens fundadores de grandes empresas da rede. Isso é muito positivo. O problema é que esse jovem, cheio de sonhos, depara-se com a dura realidade para o empreendedorismo no país. Além das dificuldades da já conhecida burocracia e incerteza sobre as regras do jogo, há também incerteza em relação às regras sobre privacidade, sobre liberdade de expressão e assim por diante. Existe uma relação direta entre a criação de um ecossistema legal amigável à internet e o desenvolvimento econômico futuro do país. Quanto mais as leis forem amigas da criatividade e do empreendedorismo, melhor. Garantir direitos fundamentais na rede é um dos caminhos para isso. Não podemos deixar esse jovem empreendedor se desapontar com o ambiente legal do país. Justamente para ajudar novos talentos a consolidarem, com agilidade, suas empresas no mercado, abril acaba de lançar a “Abril Plug and Play”, uma aceleradora de startups de tecnologia, em parceria com a Plug and Play, uma aceleradora dos Estados Unidos.
Imil: A Abril lançou recentemente o site “Brasil Post”. A empresa pretende direcionar mais investimentos para o mercado digital? Por quê?
Barbosa: A Abril acredita que sua missão de comunicar e defender seus valores transcendem qualquer plataforma e o importante é estar onde nosso público está. Vamos continuar investindo em novas plataformas e a experimentar todos os canais de distribuição e interação disponíveis. O mundo é cada vez mais do “E”, uma mídia e outra, do que “OU”, uma mídia ou outra. Nesse sentido, a Abril mantém seu protagonismo, trazendo inovação e conteúdo de qualidade para seus leitores.
O objetivo principal e não declarado do “Marco Civil na Internet” é controlar a liberdade de expressão, querem calar qualquer um que critique o governo ou diga qualquer verdade incômoda contra ele.
O que acontece na Venezuela é um alerta, não devemos deixar que aconteça aqui o que acontece lá.