Líder venezuelano derrotou proposta da OEA para mediação externa da crise, mas problemas se agravam
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, acaba de obter uma vitória diplomática, ao derrotar a proposta defendida por Washington na Organização dos Estados Americanos (OEA, de 34 nações), que sugeria uma mediação externa para pôr fim à crise política da Venezuela, na qual morreram pelo menos 28 pessoas e centenas ficaram feridas. Mas a vitória de Maduro poderá ter curta duração.
É essa a impressão que tive ao entrevistar, na sexta-feira, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, depois da votação em que o grupo regional aprovou uma resolução de apoio ao “diálogo nacional” conduzido pelo governo de Maduro na Venezuela, em lugar de um diálogo com a mediação de uma terceira parte respeitada por todos os representantes.
A resolução foi aprovada por 29 votos a 3. Estados Unidos, Canadá e Panamá votaram contra. A oposição venezuelana exigia a mediação de uma terceira parte, argumentando que Maduro – que foi proclamado presidente numa eleição contestada, prendeu líderes pacíficos da oposição e está calando a mídia – não merece confiança para presidir as negociações.
Entretanto, a julgar pelas afirmações de Insulza, a proposta que pedia à Venezuela que aceitasse uma mediação independente poderá ser reapresentada em breve, porque a crise venezuelana muito provavelmente não se amainará tão cedo. Governo e oposição precisarão conversar para impedir que ela se torne ainda maior e mais sangrenta.
A Venezuela já registra uma taxa de inflação de 56% – a mais alta do mundo – e uma crescente escassez de alimentos, bem como um número de assassinatos sem precedentes, também entre os mais altos do mundo.
“Não acredito que a tensão possa diminuir enquanto persistirem os problemas econômicos e sociais do país”, disse Insulza. “Para que as tensões diminuam, ambas as partes terão de sentar e conversar. Os problemas econômicos da Venezuela não podem ser resolvidos apenas pelo governo, precisam ser resolvidos com a ajuda do setor privado, dos partidos políticos, etc. E o mesmo se aplica aos problemas sociais, como os relacionados à criminalidade”.
Mas o que falar do argumento da oposição venezuelana, para quem o apelo do governo de Maduro por um “diálogo nacional” não passa de um truque para ganhar tempo e enfraquecer os protestos de rua?
“Isso não acontecerá”, respondeu Insulza. “As tensões não diminuirão enquanto não houver uma vontade concreta de conversar e resolver os problemas com a colaboração de todas as partes. Portanto, o que aconteceu nesses últimos dias é apenas um passo nesse processo. Enquanto não houver soluções de longo prazo, as tensões seguramente continuarão.”
Isso significa que a OEA poderá reabrir o debate a respeito da mediação de uma terceira parte? Insulza respondeu que se o “diálogo nacional” defendido por Maduro não der nenhum resultado e a crise continuar se aprofundando, “a questão seguramente voltará a ser discutida”.
À pergunta sobre a crítica feita pela oposição de que ele deveria ter usado seus poderes para enviar uma missão de observação à Venezuela, Insulza disse que, segundo as normas da OEA, essas missões só podem ser ordenadas pelo Conselho Permanente da OEA quando houver “uma grave violação da norma democrática” no país. “E estamos longe disso.” De minha parte, não tenho tanta certeza de que não tenha havido uma grave violação da norma democrática na Venezuela.
Maduro foi declarado presidente com uma vantagem de 1,5 ponto porcentual, por um tribunal eleitoral controlado pelo governo, depois de um processo eleitoral extremamente questionável. Além disso, é difícil considerar o governo de Maduro democrático, quando o presidente não respeita a separação de poderes, prende pacíficos líderes da oposição e silencia a mídia. Mesmo que tenha sido eleito democraticamente, Maduro não está tendo um comportamento democrático.
Mas Insulza acredita que talvez o jogo não acabe depois da vitória diplomática de Maduro na OEA. Se a Venezuela continuar descambando para uma hiperinflação, a crescente escassez de alimentos e a enorme criminalidade nas ruas, como está acontecendo, o próprio presidente talvez venha a precisar de um mediador externo para sobreviver no cargo.
A Venezuela não terá como deter a escalada da crise a não ser que Maduro comece a entender que não é o dono de um país no qual a metade da população votou contra ele e enquanto não aceitar um diálogo com um mediador independente. Desse modo, a Venezuela deveria buscar um acordo para a libertação dos presos políticos, o restabelecimento da separação dos poderes, a criação de um tribunal eleitoral independente e a restauração da liberdade de expressão, em troca do compromisso da oposição de que acabará com os protestos e ajudará a Venezuela a sair da crise.
O voto vergonhoso da OEA em apoio a Maduro talvez seja logo esquecido, enquanto se torna cada vez mais claro que a crise venezuelana está se agravando e o “diálogo nacional”, controlado por Maduro, é uma farsa. O que vimos é apenas a primeira rodada de uma batalha diplomática que mal começou.
Fonte: Miami Herald/O Estado de São Paulo, 14/3/2014, com tradução de Anna Capovilla.
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