Após sucessivos insucessos éticos e por uma reiterada incapacidade de dar respostas mínimas aos justos anseios coletivos, a política parece perder seu inerente poder de engajamento cívico, fragilizando, com isso, as estruturas e a própria crença na democracia como elemento fundamental do processo civilizatório. O fenômeno não é meramente local, mas espalha-se pelo mundo afora com ventos arredios de ceticismo globalizado. Como bem advertiu Hannah Arendt ao refletir sobre os tempos sombrios, “o domínio público perdeu aí o poder de iluminar”. E, quando a política deixa de lançar luzes, a esperança abandona os lares da democracia, abrindo brechas para o renascer dos tristes ecos de autoritarismo.
Em 2010, a prestigiada Fundação Calouste Gulbekian reuniu em Lisboa um time de primeira linha da intelectualidade filosófica para debater os desafios da arte, da política e do pensamento no século XXI. Ao iniciar sua palestra, Jacques Rancière, professor emérito da Universidade de Paris VIII-Vincennes, sustentou que estamos a viver o fim de um período histórico, no qual “o que teria acabado seria não só a divisão do mundo num bloco capitalista e num bloco comunista, mas também uma visão de mundo organizada em torno da luta de classes e dos povos e, de um modo mais geral, uma forma de pensar a política como prática de luta e horizonte de emancipação”.
A observação do eminente intelectual francês permite plurais análises e múltiplas reflexões, mas, em sua essência, bem expõe que estamos transitando em uma fase de interlúdio político. Sem cortinas, o fim da bipolaridade antagônica da Guerra Fria marcou, no mundo ocidental, o triunfo do liberalismo democrático e um consequente menosprezo do papel do Estado na economia de mercado. O problema é que, mesmo enfraquecidos, os entes estatais possuem o monopólio do poder governamental, tendo, consequentemente, influência direta nos êxitos e fracassos da política democrática.
Eis, portanto, um dos paradoxos da vida pública moderna: temos muitas democracias liberais governadas por diretrizes estatizantes. No final, não temos liberalismo nem socialismo, mas uma massa política amorfa e disforme que, sem qualquer coerência programática, usa o governo para fins espúrios e completamente desconectados das reais necessidades do povo. Para acalmar os eventuais levantes de insatisfação, há o uso massivo da propaganda oficial combinado com anestésicos populistas de forte penetração popular. Enquanto isso, a autoridade da democracia vai sendo banalizada e enfraquecida. Ainda não se sabe para onde vamos, embora seja sabido que a fragilização institucional em nome de um partido ou líder carismático jamais levou a humanidade a dias de paz e liberdade plena. É bom, portanto, pararmos um pouco e, com calma, pensarmos sobre o nosso futuro. Ou será que, de alguma forma, estamos voltando ao passado?
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