O significado do Plano Real para o Brasil é normalmente traduzido em estabilidade econômica, previsibilidade de preços, credibilidade do sistema e capacidade de planejamento. O que isso significa, porém, na prática? Sou da geração nascida nos anos 1980 – mais especificamente, 1985. Quando o Plano Real nasceu eu já estava no mundo, mas ainda era criança. Logo, minha experiência prática com o Brasil anterior ao Plano Real resume-se a uma ou outra anedota envolvendo a hiperinflação.
Uma dessas anedotas, lembro-me bem, envolvia a compra de um carrinho de brinquedo. Eu havia encontrado uma raspadinha premiada nos descartes da lotérica vizinha à minha casa. Troquei o bilhete por dinheiro e fui à loja de brinquedos. Para minha decepção, o carrinho que custava pouco menos do que o valor ganho na raspadinha fazia poucos dias, já estava custando então cerca de 20% a mais. Fui para casa sem o brinquedo. Devo ter gastado o dinheiro em chicletes.
Para quem tem a minha idade ou mais, esta anedota – uma das poucas lembranças que tenho da inflação galopante – não passa de um conto cotidiano banal. Aliás, dos mais banais: envolve até mesmo um bem supérfluo. Dureza mesmo, contam meus pais, era ver o preço dos alimentos subir todos os dias enquanto os salários perdiam valor em proporção ainda mais acelerada. Já para quem é mais novo do que eu, esta anedota pode soar curiosa, mas talvez careça de significado prático. E, aos 20 anos de vigência do Plano Real, é aí que talvez resida o maior perigo.
É verdade que o Plano Real não se resume ao combate à inflação. Agora, quando os índices oficiais brasileiros ficam recorrentemente acima do “centro da meta”, no entanto, é importante relembrar aos brasileiros a desgraça que significa viver em um país de moeda instável, com preços imprevisíveis. Se Thomas Jefferson dizia que “o preço a se pagar pela liberdade é a eterna vigilância”, a paráfrase para o ambiente econômico bem poderia ser “o preço da estabilidade econômica é a eterna consciência dos malefícios da inflação”.
Apesar de ser voz corrente em meios ditos “progressistas” que, para que haja desenvolvimento, um pouco de inflação é não apenas admissível, mas, inclusive, desejável, o exemplo histórico demonstra que a realidade não respalda esse pensamento. Primeiramente, por que quem mais sofre com a inflação são os mais pobres. Em segundo lugar, por que o maior beneficiário da inflação é o governo e aqueles que estão próximos ao poder, pois estes ainda podem prever alguma coisa em um cenário geral imprevisível. Ou seja: beneficia justamente quem produz pouco – ou nada.
O vigésimo aniversário do Plano Real, portanto, deve ser comemorado pelo que significou: a conquista da estabilidade econômica e a derrota da inflação. Mas, na prática, o preço desta vitória brasileira é a eterna consciência de que qualquer inflação, pequena, grande ou galopante, ameaça a estabilidade conquistada há duas décadas.
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