O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril que será divulgado nesta sexta-feira deverá mostrar mais um mês de pressão nos alimentos. Quando a inflação chega ao carrinho de compras do supermercado, cresce a percepção do aumento dos preços. Os números já mostram uma contaminação. A alta dos alimentos no domicílio chega a 3,58% no primeiro trimestre, acima da inflação de 2,18%.
Sondagem do Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que a expectativa de alta da inflação saiu de 7,2% em março para 7,8% em abril, a maior marca desde maio de 2005 e bem maior do que a dos analistas de mercado, que projetam alta de 6,3%. Em 12 meses, o IPCA está em 6,15%.
— A sensação do consumidor é sempre maior que a alta dos preços, mas houve uma intensificação dessa percepção desde junho do ano passado e essa expectativa vem influenciando a confiança de consumidores — afirma a coordenadora técnica da Sondagem do Consumidor do Ibre/FGV, Viviane Seda.
Troca de alimentos e de serviços
A executiva de vendas Conceição Nascimento dá exemplos de como os alimentos pesam no orçamento. Mora no Rio Comprido, na Zona Norte do Rio com a filha Giulia, e lista os produtos que têm pesado no bolso: enlatados, margarina, iogurte, tomate e banana. Ela reclama também das feiras tradicionais.
— Poucos meses atrás fazíamos uma feira para semana com R$ 25. Hoje, os mesmos legumes e frutas não saem por menos de R$ 70. Sempre que encontro outras opções de alimentos mais baratos tento incorporá-los à alimentação da família — afirma.
Ela conta que estendeu a troca de alimentos por outros mais baratos aos serviços em geral. A solução foi redobrar a pesquisa de preços:
— Percebemos que salão, cinema e teatro tiveram elevação de preços significativos. Fazer um pé e mão saía por R$ 25 e hoje está por R$ 38. No caso dos cinemas e teatros, a alternativa é ser ligado a empresas que oferecem desconto.
Moradora do Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, a promotora de eventos Ana Lúcia Cavalcanti e o marido Ronaldo Cavalcanti não têm dúvidas de que novos aumentos virão. A percepção de alta futura vem de contabilizar o quanto os preços de materiais de limpeza em geral, além de alimentos, já subiram.
— Senti aumento com material de limpeza em geral. Também no arroz, feijão, azeite, batata inglesa, além de frutas, legumes e verduras, como tomate, agrião e alface — detalha Ana Lúcia.
A professora Eveline de Souza, moradora na Praça da Bandeira, na Zona Norte do Rio, vive com o filho João Vittor, de 12 anos. Ela se ressente da alta dos preços de alimentos. Costuma reservar boa parte do orçamento de R$ 2.500, para uma alimentação saudável do adolescente, que é atleta. Para a dieta dele compra frutas, legumes e verduras.
— A inflação está alta e a gente sente no mercado. Alimento não tem como tirar. Deixei de lado produtos integrais e light — afirma Eveline.
A economista da Tendências Consultoria Adriana Molinari, ressalta que o que vem pesando no bolso das famílias neste ano é a alimentação dentro do domicílio.
— O índice de inflação de alimentação no domicílio desses três meses é muito alto. E o preço dos alimentos é o que mais pesa na percepção dos consumidores — pondera.
Segundo o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, a mudança de hábito de consumo após o Plano Real fez com que o consumidor passasse a substituir a compra de mês por várias idas e vindas ao mercado:
— Com a compra picada, os alimentos que sobem dão a sensação de aumento quase on-line.
O economista faz a ressalva que são muitas as diferenças para o período de hiperinflação, quando a alta de preços era generalizada e não havia previsão de queda.
— Hoje, sabe-se que os alimentos sobem em virtude de um choque e que depois deverão cair e daí se substituem marcas e produtos— afirma.
Cultura de reajustes automáticos
Para o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, a expectativa de inflação futura ocorre porque a economia brasileira ainda vive dentro de um ciclo vicioso de indexação de preços.
— Criou-se uma mentalidade no Brasil de que os preços devem ser reajustados independentemente de aumento dos custos — afirma Cunha.
Os técnicos do governo sabem que as expectativas ruins têm sido um dos maiores obstáculos do trabalho do Banco Central no controle da inflação. O próprio Comitê de Política Monetária (Copom) repetiu o alerta algumas vezes nas atas das suas reuniões.
Fonte: O Globo
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