Apesar de o Banco Central ter mantido estável, em 11% ao ano, a taxa básica de juros Selic, os brasileiros não devem ter trégua no orçamento. Inflação em alta, mercado de trabalho desaquecido e o peso de dívidas anteriores deixam pouca folga nas contas do dia a dia, afirmam especialistas. Com o avanço recente do crédito e a alta da Selic ocorrida entre abril do ano passado e março último, cresceu o gasto das famílias brasileiras com o pagamento dos juros. Foram R$ 87,9 bilhões nos primeiros quatro meses desde ano, 17,4% a mais que no mesmo período do ano passado.
Na quinta-feira, o Banco Central (BC) informou que, em março, 21,37% da renda das famílias estava comprometida com dívidas. Desde outubro esta taxa fica em torno de 21,5%. O economista Wermeson França, da LCA Consultores, afirma que este índice é elevado. Ele explica que, na média entre 2009 e março de 2014, o comprometimento das famílias foi de 19%.
— Com este patamar de comprometimento, as famílias ficam sem margem para novos empréstimos. Mas o que chama a atenção é que o crescimento está muito mais ligado ao financiamento imobiliário, do que uma dívida de longo prazo.
Ele espera que o cenário não mude muito nos próximos meses por causa da inflação alta, juros elevados e renda crescendo menos:
— Devemos ter um ano com menos aumentos reais nos salários.
Marianne Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), vê as famílias mais cautelosas em relação ao crédito devido à alta dos juros, ao crescimento mais moderado da renda e à inflação, que corrói o poder de compra. A tendência foi confirmada pela Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada ontem e realizada pela CNC mensalmente com 18 mil pessoas em todas as capitais do país.
— Na pesquisa, um quinto das famílias disse ter mais de 50% de suas rendas comprometidas com dívidas — disse.
Para driblar a taxa Selic ainda num patamar elevado e a manutenção do alto endividamento, os brasileiros estão recorrendo mais ao crédito consignado, que tem juros menores. Enquanto a taxa média do consignado passou de 24,6% ao ano em março de 2013 para 25,3% ao ano no mês passado, a taxa do cheque especial explodiu: passou de 137,9% ao ano para 161,8% ao ano no mesmo período. É o maior percentual dos últimos dois anos.
Nesse período de aperto da política de combate à inflação, as dívidas dos correntistas no cheque especial cresceram 7,4%. Por outro lado, o crescimento do crédito com desconto em folha de pagamento foi de 16,7%. Segundo analistas, exatamente porque é uma modalidade mais barata de crédito.
Alta da inadimplência não ocorreu
Na visão do BC, a procura pelos empréstimos consignados mostra que o brasileiro está mais educado na hora de se endividar. Desde 2012, quando os bancos oficiais lideraram um movimento nacional para pressionar a concorrência a diminuir os juros, o tema ganhou força. Para o BC, as campanhas sobre crédito consciente surtiram efeito e houve uma substituição dos empréstimos mais caros pelo mais baratos.
— A educação financeira levou à conscientização e ajudou a reduzir a inadimplência — frisou o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel.
Especialistas dizem que o fenômeno ganhou força por pressão dos bancos que temiam uma alta da inadimplência — o que não ocorreu. Também contribuiu a redução de ritmo na contratação de créditos pelas famílias, que subiu apenas 1,1% nos primeiros quatro meses do ano em comparação com o mesmo período de 2013. Em 2012, por exemplo, a alta nesta comparação havia sido de 7,2%.
— Como as notícias de perspectiva de crescimento não são boas, é melhor não comprometer a renda e o acesso ao crédito está refletindo isso — afirma Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomércio-SP.
Risco baixo para bancos
Segundo o BC, a inadimplência ficou estável em 3%, o menor patamar da História. Está nesse nível desde dezembro do ano passado.
Para Miguel de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o cenário econômico inspira cuidados.
— Dessa vez, os bancos se anteciparam percebendo que a economia estava com problemas, que a renda estava comprometida e que o emprego não está bombando. Os bancos estão mais seletivos, tomam mais cuidado. Não significa que a pessoa esteja mais consciente. Os bancos vêm priorizando o empréstimo consignado porque é de baixo risco, não é só o consumidor — afirma Oliveira.
No mês passado, a média das taxas de juros cobradas das famílias e empresas ficou estável em 21,1% ao ano. Para a pessoa física, os juros médios dos empréstimos com recursos livres (ou seja, que são sensíveis à taxa básica Selic) subiram 7,6 pontos percentuais nos últimos 12 meses, para 42% ao ano. Enquanto isso, a Selic aumentou 3,5 pontos percentuais no mesmo período.
Fonte: O Globo
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