Cresce o debate sobre o baixo crescimento do Brasil. Muitos atacam a política macroeconômica, especificamente a política monetária, e defendem a administração da taxa de câmbio. Ainda que não se possa rejeitar completamente a hipótese de que taxas de juros elevadas e câmbio apreciado por longos períodos de tempo prejudicam a produção ou a chamada oferta agregada da economia, há confusões aqui. Se ambos os preços, câmbio e juros, estão “errados” por muito tempo, “errados” não são os preços, mas sim as condições que os levaram a esses patamares. Convém investigar os fatores que levam a esse quadro.
Boa parte da política macroeconômica precisa ser tratada por aquilo que ela é: um instrumento de administração da demanda agregada, visando minimizar oscilações indesejáveis de inflação e emprego. Não se pode exigir da política macro algo que está além do seu escopo. Ela não deve ser vista como instrumento de promoção de crescimento de longo prazo, sendo este último mais associado ao comportamento da oferta agregada.
E a política fiscal? Certamente a mais complexa de todas as políticas, podendo ser não apenas um instrumento de administração da demanda agregada, mas também de correção de falhas de mercado, de melhora de indicadores sociais e de distribuição de renda, funções estas que podem impactar o potencial de crescimento do país ao longo do tempo. Países com boa infraestrutura e com sociedade educada e vida digna podem colher mais ganhos de produtividade.
Da teoria à prática, uma grande distância. O efeito do impulso fiscal sobre a demanda agregada não é garantido. A política pode ser bastante eficaz (usando o jargão dos economistas, o multiplicador da política fiscal seria maior que 1) ou não. Pode ser até contraproducente, caso cause estragos de tal magnitude no ambiente econômico que prejudique significativamente os gastos privados. Políticas que produzam pressão sobre as taxas de juros e inflação e coloquem em dúvida a capacidade de solvência do governo podem não valer a pena. Sua eficácia também é afetada pelo câmbio, que por diversos canais tende a se valorizar em termos reais com a expansão fiscal, o que prejudica as exportações líquidas.
Quanto ao impacto sobre distribuição de renda e crescimento, a discussão é mais complexa. Além de avaliar o efeito dos gastos, é necessário levar em conta a estrutura tributária. O financiamento de gastos públicos com impostos distorcivos pode tornar a política fiscal, mesmo quando bem intencionada, inadequada.
Pelas pesquisas mais recentes, não há sinais de que a carga tributária seja progressiva no país, que seria o desejado. Na melhor das hipóteses ela é proporcional, sendo que a carga sobre os mais pobres é bastante pesada. Do lado das transferências, apesar do bolsa-família, as transferências públicas como um todo têm fraco caráter distributivo, estando o Brasil em posição inferior à média da OCDE. A razão para isso é o pagamento de aposentadorias e pensões que acabam beneficiando menos as classes de renda mais baixa.
Para um quadro completo, seria importante considerar o foco dos gastos públicos e das renúncias tributárias ao setor produtivo, além do pagamento de salários e pensões do setor público. Será que ação estatal como um todo está sendo benéfica para melhorar a distribuição de renda?
Para o crescimento, não chegamos ao estágio de avaliar o quanto a política fiscal tem contribuído para o crescimento de longo prazo. Pelo contrário. O baixo investimento em infraestrutura, o fraco desempenho dos nossos jovens no PISA e os questionamentos ao sistema de saúde pública requerem reflexão sobre nossas falhas. Isso sem contar a complexa e distorciva estrutura tributária que prejudica decisões de investimento e inovação.
Finalmente, convém uma visão crítica da política setorial, que pesa sobre as contas públicas pela renúncia tributária e pelo subsídio ao crédito. Políticas setoriais podem ser recomendadas em caso de benefício público superior ao benefício privado (externalidades), evitando proteger setores menos competitivos e que inovam menos. E devem estabelecer contrapartidas aos benefícios e proteções, avaliando sistematicamente o efeito das políticas para evitar distorções de preços e má alocação de recursos públicos por longo período de tempo. Nestes quesitos todos, não estamos bem.
Essas reflexões levam à conclusão de que a política fiscal exige muita cautela, pois não apenas ela pode ter implicações sobre o bem estar da sociedade pela flutuação exagerada de inflação e emprego, como também pode ser perversa sobre a distribuição de renda e o crescimento. Pode causar excessos de demanda e contração da oferta agregada. O pior dos mundos.
Esta discussão vai além do debate sobre modelo econômico do Brasil, cuja espinha dorsal, o estado de bem-estar definido pela Constituição de 1988, supostamente reduz potencial de crescimento do país. O que se discute é a capacidade do país de realmente atender os anseios da sociedade por igualdade de oportunidades e serviço público de qualidade, e de forma sustentada, ou seja, sem machucar o potencial de crescimento do país.
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