Dezenas de conjuntos habitacionais de baixa renda, alvos de projetos de recuperação estrutural e de fachada que já custaram cerca de R$ 260 milhões ao governo do Estado (projeto De Cara Nova) e à prefeitura do Rio (Conjunto Maravilha) desde 2009, transformaram-se em fontes de conquista de eleitores este ano. Sem pedir votos abertamente, o que configuraria crime eleitoral, candidatos a deputado estadual e federal da base governista têm suas imagens vinculadas indiretamente à realização das obras, principalmente nas zonas Norte e Oeste. Em boa parte desses condomínios, materiais de propaganda foram instalados a poucos metros das placas informativas dos governos sobre obras em andamento e também em conjuntos cujas intervenções já terminaram. Há casos ainda de candidatos que até participaram de reuniões com os moradores e servidores públicos para detalhar os projetos, como revelaram moradores a repórteres de O GLOBO, que na semana passada visitaram quase 30 conjuntos.
Nas obras do projeto De Cara Nova, predominam as propagandas dos irmãos Leonardo Picciani (PMDB) e Rafael Picciani (PMDB). O primeiro tenta a reeleição para deputado federal e o segundo é candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Nos últimos anos, ambos comandaram a Secretaria estadual de Habitação, à qual os projetos estão vinculados. Leonardo dirigiu a pasta de 2009 a 2011, quando saiu para disputar uma vaga no Congresso Nacional. Rafael ficou na pasta de novembro de 2011 até abril deste ano. “O que Leonardo iniciou, Rafael concluiu”, afirma um texto do blog da campanha de Rafael Picciani.
No Conjunto Maravilha, repórteres constataram que aparecem com frequência materiais do deputado federal Pedro Paulo (PMDB) — ex-secretário da Casa Civil da prefeitura— , em dobradinha com os deputados estaduais Coronel Jairo (PMDB) e Pedro Fernandes (Solidariedade), que tentam a reeleição. Outro parceiro nas placas de Pedro Paulo é o ex-subprefeito da Barra da Tijuca, Thiago Mohamed (PMDB), que tenta uma vaga na Alerj. Na campanha, Pedro Fernandes ainda conta com a própria mãe como cabo eleitoral importante. Vereadora mais votada da cidade, Rosa Fernandes (Solidariedade) tem percorrido condomínios que desejam receber melhorias prometendo se empenhar para convencer a prefeitura a liberar recursos para os projetos.
Em Benfica, o presidente da Associação de Moradores do Conjunto Pedregulho, Hamilton Ildefonso, chegou a ligar para a equipe de campanha de Leonardo e Rafael pedindo orientação antes de gravar um vídeo para O GLOBO detalhando como o condomínio acabou incluído no De Cara Nova. A reforma do Pedregulho, projetado por Afonso Herdy e considerado um dos ícones da arquitetura carioca, será concluída em dezembro após quatro anos de obras. No entorno do conjunto, foram instaladas várias placas dos irmãos candidatos.
— Durante anos, os dirigentes da associação pediram ao poder público para que o conjunto fosse recuperado. Ninguém atendia. Muitos políticos também prometeram e nada fizeram. O Leonardo Picciani assumiu o compromisso. A reforma saiu quando o irmão já era secretário. Eles de fato ajudaram. Por isso, nessa eleição pedi material de divulgação ao comando da campanha. Depois da reforma, nenhum outro político apareceu. Acho que eles perceberam que seria perda de tempo — disse Hamilton.
No caso dos projetos da prefeitura, as licitações são mais frequentes em ano eleitoral. Em 2009, por exemplo, as cinco licitações previstas estavam marcadas para dezembro — o que na prática inviabilizava qualquer obra nova até o ano seguinte. Diferentemente de 2010, quando foram lançados editais para 25 obras apenas de janeiro a junho. Por sua vez, em 2013, foram lançados três editais para atender a quatro conjuntos — as concorrências também foram marcadas para dezembro. Ao todo, este ano, foram lançados editais para outros 34 empreendimentos.
O material de campanha nos conjuntos alvos do projeto da prefeitura pode ser visto até mesmo em locais cujas obras ainda nem começaram, como em Irajá, onde uma faixa dos candidatos Pedro Fernandes e Pedro Paulo foi instalada no Conjunto Habitacional Coronel Vieira. Segundo moradores, em Jacarepaguá, placas de Pedro Paulo e Thiago Mohamed foram instaladas em frente a um conjunto na Estrada dos Três Rios semanas após ambos participarem de uma reunião do condomínio para detalhar as obras. O mesmo aconteceu em outro conjunto no Catumbi, há dois meses. No Conjunto Duque de Caxias (Bonsucesso), os emissários de candidatos apareceram num domingo em dose dupla: Rosa Fernandes pela manhã e o vereador João Cabral (PMDB) à tarde.
Em Del Castilho, a situação se repete em outro condomínio que aguarda obras da Companhia Estadual de Habitação (Cehab). No entorno, foram colocadas placas dos irmãos Picciani. Por sua vez, no conjunto IAPI de Del Castilho reformado pela prefeitura, a pensionista Zevideia de Paiva, de 70 anos, contou que a participação dos candidatos na realização das obras chegou a detalhes, como a escolha da cor das fachadas num misto de bege com camurça.
— A Rosa Fernandes ajudou a trazer a reforma ao conjunto, Só voto nos candidatos dela. Numa reunião, da qual ela e os candidatos participaram, foi discutida até a cor que o condomínio seria pintado — contou.
Vácuo deixado pelo poder público
Em Realengo, o taxista aposentado Reginaldo Paulo, morador de um conjunto que também será reformado pela prefeitura, argumentou que os políticos assumem um vácuo deixado pelo poder público. Segundo ele, coronel Jairo e Pedro Paulo, devidamente identificados em uma placa na parte da frente do imóvel, visitaram o condomínio há dois meses anunciando as obras.
Pedro Paulo e Pedro Fernandes confirmaram que visitaram alguns condomínios onde foram anunciadas obras, mas jamais pediram votos. Os dois negam que a ação implique em favorecimento pela máquina pública. Pedro Paulo argumentou que recebe demanda de toda a população, não apenas durante a campanha, e acha isso algo natural.
— A prefeitura tem obras pela cidade toda. Se fosse assim, não poderia fazer campanha — disse.
Pedro Fernandes também argumentou que toda a sua campanha é feita de forma transparente:
— Nenhuma placa é colocada sem autorização do morador ou do síndico.
Rosa Fernandes alegou que parte das obras em execução teve origem em emendas que propôs ao orçamento:
— Circulo mesmo pelas comunidades e peço muito por elas ao poder público. Às vezes, consigo, outras não.
Thiago Mohamed não retornou as ligações. Através de sua assessoria, coronel Jairo afirmou que uma das funções do parlamentares é servir de interlocutor entre o poder público e a população. Em nota, a prefeitura do Rio informou que seleciona os conjuntos habitacionais considerando questões técnicas estruturais e também a quantidade de habitantes. Também por nota, os irmãos Picciani afirmaram que o eleitor de conjunto habitacional tem o mesmo direito de se manifestar como o de outras áreas. “Certamente, outros candidatos também contam com placas em conjuntos habitacionais e fora deles. Isso é da democracia.”
Fonte: O Globo.
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