O debate sobre a independência do Banco Central (BC) ganhou força na campanha eleitoral nas últimas semanas, mesmo não sendo tão popular quanto saúde, educação e crédito. Candidatos de oposição defendem uma maior autonomia do órgão e alguns até a independência formal da autarquia. O governo quer que não se mude a atual estrutura, que classifica como autonomia operacional do BC. O tema está longe do consenso e também divide a academia e especialistas.
Para uma ampla gama de economistas, uma estrutura legal que estabeleça a tomada de decisões sem interferência política, ou seja, a independência formal do BC, é o melhor caminho para garantir a estabilidade de preços. Outra corrente, no entanto, avalia que a responsabilidade sobre a política monetária cabe ao governo eleito e que a adoção de independência não seria garantia de inflação baixa.
No Brasil, o conceito adotado nos últimos anos era o de autonomia operacional – mesmo sem a garantia da lei, a ideia era que o órgão tivesse liberdade para tomar decisões levando em conta aspectos técnicos, sem influência política. A avaliação no mercado financeiro, porém, é que essa autonomia se perdeu no último governo. O atual presidente do BC, Alexandre Tombini, assumiu o cargo em janeiro de 2011, no mesmo mês em que Dilma Rousseff assumiu a presidência.
No atual regime de metas de inflação, o Banco Central deve ajustar seus instrumentos de política monetária para atingir uma variação de preços estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse comitê é formado pelo presidente do BC e por mais dois ministros: da Fazenda e do Planejamento. Atualmente, a missão é entregar uma inflação de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. No entanto, nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 6,51%, ou seja, acima do teto da meta.
Projetos tramitam no Congresso
Na avaliação de economistas, isso seria uma das consequências de não se ter um BC independente. Os mais críticos veem uma recente ingerência do Planalto e um desgaste da autonomia operacional. Mas há quem defenda, porém, que a causa da inflação alta no país não é a falta de rigidez monetária.
Parte dos especialistas avalia que o BC brasileiro não tem requisitos mínimos considerados como referencial de autonomia. O principal deles seria a definição de mandatos para toda a diretoria. O presidente do Banco Central e os diretores são indicados pelo presidente da República e precisam ser aprovados em sabatinas pelo Senado. Depois que recebem o aval dos parlamentares, só saem a pedido ou demitidos pelo Palácio do Planalto. No entanto, é extremamente normal a troca tanto de diretores quanto do presidente em novos governos.
Esse perfil faz, segundo o ex-diretor da Área Internacional do BC Alexandre Schwartsman, que o Banco Central brasileiro fique atrás de outros latino-americanos como os do Chile, Peru, Colômbia e México. Schwartsman foi diretor do BC entre 2003 e 2006, no primeiro mandato de Lula.
— O Brasil não se sai bem na questão de independência e perde na comparação com países da América Latina — avalia.
A existência de mandatos intercalados entre o Executivo e a presidência e direção do Banco Central é uma das principais características de BCs independentes ao redor do mundo, como nos Estados Unidos. Lá, o colegiado assume na metade do governo e só sai quando terminam os 50% do mandato do presidente seguinte.
Schwartsman, crítico contundente da atual diretoria do BC – tanto que a autarquia tentou processá-lo – defende que os mandatos sejam intercalados como nos EUA.
— No governo passado, havia autonomia de operação. Quando sentia que não tinha mais (autonomia), a pessoa podia pedir o boné e ir embora. Não sei se é o que acontece hoje, porque só há técnicos de carreira.
Outro ex-diretor do BC, o economista Carlos Thadeu de Freitas, também avalia que a liberdade de atuação diminuiu no governo Dilma Rousseff. E que a atual diretoria é mais suscetível às pressões do Palácio do Planalto.
— O (ex-presidente do BC Henrique) Meirelles tinha uma posição mais austera. Já o atual Banco Central é mais acomodatício em relação às pressões políticas — disse Freitas, que foi diretor do BC na década de 1980.
O economista lembra que qualquer mudança em relação à autonomia do BC tem de passar pelo Congresso Nacional. E isso leva tempo. Há vários projetos de lei sobre o assunto tramitando no Legislativo. De tempos em tempos, os parlamentares tentam aprovar a mudança.
Para o ex-diretor de Política Monetária do BC Luiz Fernando Figueiredo, uma lei que desse independência ao BC seria um marco – como foi a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para a saúde das contas públicas. Ele propõe uma espécie de “Lei de Responsabilidade Monetária”, que cobraria do BC o cumprimento do objetivo que foi estipulado pelo próprio governo em relação à inflação, ou seja, manter o índice dentro da meta.
Para Figueiredo, que foi da diretoria do BC durante o governo Fernando Henrique Cardoso, apenas o fato de institucionalizar a independência poderia desfazer um dos piores problemas econômicos do Brasil: a deterioração das expectativas.
— Toda vez que a sociedade fica em dúvida, isso custa ao país. Quem paga a conta de expectativas piores que realimentam a inflação é a sociedade.
Por trás da defesa de um BC livre de interferências e restrições, o argumento teórico é que quanto maior é a independência menor é a inflação.
— Essa discussão foi forte na academia nos anos 1990, mas passou. Por um lado, os estudos empíricos que sugerem a relação entre independência e menor inflação são frágeis. Além disso, há uma crítica forte que vem de Milton Friedman (economista americano papa do monetarismo). Ele argumentava que um presidente eleito deve ser capaz de responder pela política monetária assim como outras políticas — argumenta o professor do Instituto de Economia da UFRJ André Modenesi, autor do livro “Regimes monetários: teoria e experiência do real”, que trata da independência do Banco Central.
Crise global de 2008 mudou visões
Modenesi discorda da avaliação de que o BC brasileiro perdeu autonomia e afirma que há controle monetário no país:
— Com taxas de juros perto de zero no mundo, como se pode dizer que um Banco Central com a maior taxa mundial de juros descuida da inflação? Não vejo como se pode argumentar que o BC brasileiro esteja sendo leniente com a inflação — diz.
Também professor da UFRJ, Luiz Carlos Prado afirma que a crise global de 2008 mostrou que não há garantia de que há uma estratégia única considerada ótima em relação à independência de bancos centrais. Ele diz que é curioso a volta do desse debate no Brasil num momento em que parecia haver certo consenso com a autonomia operacional.
— O Banco Central é parte de uma política pública. A ideia de uma gestão unicamente técnica não é totalmente aceita hoje — afirma Prado.
Oficialmente, o Banco Central não comenta o assunto justamente por achar que é da competência dos parlamentares. Há, entretanto, defensores da gestão de Tombini, que citam uma lista de ações que legitimaria a autonomia mantida pelo presidente. Nela constam a alta dos juros no início do mandato da presidente Dilma e a recente elevação da taxa para 11% ao ano, quando o mercado esperava aumento para até 10,75% ao ano, para evitar a conclusão de que Dilma entregará juros maiores do que os que vigoravam quando assumiu.
Um sinal de autonomia, segundo defensores do BC, é a intervenção no Banco Rural, instituição marcada pelo escândalo do mensalão do PT, partido da presidente. Outro argumento é o fato de o BC ter se mostrado contrário à maquiagem das contas públicas promovida pelo Tesouro Nacional. Para os defensores da atuação do BC, os ataques à autarquia começaram logo no início do governo, quando a presidente Dilma Rousseff avisou que queria que o país tivesse juros reais de 2% ao ano. Isso minou a credibilidade do BC.
— De uma maneira bem concreta, o BC fez coisas que não poderia fazer se não tivesse autonomia operacional — defende um técnico do governo.
Fonte: O Globo
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