As demandas sociais se alteram com o tempo e, numa sociedade democrática, elas pautam a agenda política do país, cedo ou tarde. Nas décadas de 80 e 90, o anseio por inflação civilizada; na década seguinte, o anseio por mais consumo, ou crescimento, e igualdade. Talvez agora seja preservar conquistas passadas e melhorar a qualidade de vida por meio da melhora dos serviços públicos.
Conforme os problemas vão sendo minimamente superados, as demandas sociais vão se alterando. O eleitor parece muito mais pragmático do que ideológico. Governante competente é aquele que consegue atender a demanda de forma sustentada ao longo do tempo, sem surtos de avanços seguidos de retrocessos.
A política importa, pois existem inevitáveis conflitos de interesse. Mas também existem divergências sobre os instrumentos utilizados, como a capacidade de intervenção discricionária do setor público. Enquanto alguns são otimistas com a capacidade do poder público atuar seletivamente, intervindo com frequência nas diversas áreas, outros enfatizam regras e procedimentos, sendo mais cuidadosos para a ação do governo. Um lado parece temer menos os riscos advindos de desequilíbrios macroeconômicos, como a inflação, enquanto que o outro é mais preocupado em evitar situações de excesso de demanda em relação à oferta que acabam produzindo inflação mais alta.
À luz dessa discussão, vale a pena avaliar alguns indicadores que ajudam a comparar o desempenho dos últimos presidentes eleitos, excluindo Collor/Itamar pelas peculiaridades daquele momento político.
Medir o desempenho de um presidente não é um exercício simples, pois este precisa ser relativizado pelo ambiente internacional e pela herança, boa ou má, recebida do governo anterior, que nem sempre está explicitada em números.
Um exercício simples, que tem, portanto, suas limitações, seria comparar o comportamento de algumas variáveis-chaves parta avaliar o bem-estar da sociedade, que deve ser o objetivo final de qualquer governante.
Primeiro, o crescimento do PIB. Baixo crescimento, principalmente em um país de renda média como o Brasil, representa ameaça ao bem-estar social e à distribuição de renda. É crucial na avaliação calcular o diferencial de crescimento em relação ao mundo, pois mesmo sendo uma economia fechada, o Brasil é bastante influenciado pelo ciclo econômico mundial.
O resultado é o seguinte para as gestões de FHC, Lula e Dilma, no que se refere à diferença entre o crescimento do PIB do Brasil em relação ao mundo: -1,2pp, -0,2pp e -1,9pp, respectivamente (assumindo crescimento de 0,3% este ano). Lula é o que se sai melhor, com crescimento mais próximo do mundo.
Outra opção é calcular o diferencial do Brasil em relação a países emergentes/em desenvolvimento. E a justificativa para isso é que a dinâmica da China na década passada, após sua entrada na OMC em 2001, beneficiou particularmente os países emergentes, grupo ao qual pertence o Brasil. Neste caso, os valores seriam: -2,0 pp, -2,8pp e -3,5%. Neste caso, os dados sugerem que houve fatores que beneficiaram os emergentes, e que poderiam ter sido mais bem capturados pelo Brasil desde 2002.
Por ambas as métricas, o Brasil está hoje pior na foto do que no passado, crescendo bem menos que o mundo e que países do mesmo grupo.
Segundo, inflação, que é uma das formas de avaliar o grau de desequilíbrio macroeconômico de um país, com impacto também no bem-estar social. Como o país passou por processo de estabilização na década de 90, certamente o legado de FHC é incomparável. Mas vale o registro. A inflação média na gestão Collor/Itamar foi de 1.321% ao ano, caindo para 9,2% com FHC, 5,8% com Lula e 6,2% com Dilma. Houve avanço com Lula, mas não com Dilma.
Terceiro, o resultado primário do governo central. A razão para incluir este indicador é que tentativas de acelerar o crescimento e a distribuição de renda devem respeitar, minimamente, restrições orçamentárias do governo para que os ganhos sejam duradouros.
Neste quesito, duas métricas possíveis. O resultado médio na gestão e o resultado no último ano, para que avalie a evolução ou esforço de ajuste. Pelas médias, os superávits médios como proporção do PIB são: 1,1%, 2,2% e 1,6%, respectivamente, adotando as estatísticas oficiais, que não descontam receitas transitórias ou eventuais manobras fiscais que camuflam resultados.
Pela variação ao longo do tempo, comparando o que recebeu do seu antecessor no ano anterior e o que entregou ao final do mandato, temos: queda do primário de 1,1pp para FHC, de 0,1pp para Lula e 1,4pp (média de 12 meses até agosto) para Dilma.
Lula foi o mais disciplinado em ambas as métricas.
No entanto, é importante complementar a avaliação com o resultado dos Restos a Pagar deixados para a administração seguinte. Não há dados de 1994, não sendo possível avaliar se houve aumento na gestão FHC. FHC encerrou o mandato com Restos a Pagar equivalentes a 1,4% do PIB, Lula, 3,3% e Dilma (dado de 2013), 4,4%. Importante aumento ao longo do tempo.
Descontando do superávit primário registrado o valor dos Restos a Pagar ao final do governo, o desempenho de Lula não seria tão favorável. Liquidamente, o resultado de FHC teria sido superavitário de 0,8% do PIB, de Lula, deficitário em 1,2% e de Dilma, deficitário em 3,7% (assumindo estabilidade dos restos a pagar em 2014). O combate à inflação dependia de maior disciplina fiscal de FHC, o que ocorreu.
Finalmente, é crucial analisar indicadores sociais, ainda que de forma limitada dada a complexidade do assunto. Uma opção é observar a evolução da distribuição de renda, pelo comportamento do Coeficiente de Gini.
Mais uma vez, a análise peca por não levar em consideração que avanços neste indicador não são imediatos, podendo haver defasagem grande entre as políticas implementadas e seu efeito sobre a distribuição de renda. De qualquer forma, vale registrar os resultados. A diferença entre herança e legado das três administrações é a seguinte. Na gestão FHC o avanço foi de 1,5pp, de Lula, 5,2pp e Dilma 0,7pp. Os avanços na gestão Lula são o grande destaque, enquanto não está clara a contribuição de Dilma, pois não temos indicadores de 2014.
Finalizando, as demandas se alteraram e os governos conseguiram de alguma forma entregá-las. FHC entregou estabilidade de preços e retomada do crescimento; Lula, crescimento e equidade. Talvez Dilma tenha frustrado algumas expectativas de avanços. E isso explicaria a eleição tão disputada.
Quem conseguirá entregar de forma concreta as novas demandas da sociedade?
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