Ler certas coisas é melhor do que ser analfabeto, mas não muito. Assim como é melhor ouvir música ruim do que ser surdo, mas isso está longe do ideal. Falo isso porque o Brasil noticia e comemora ano a ano o fenômeno da “inclusão digital”. É um monte de gente que até outro dia achava que a tela do monitor já era o computador em si e hoje participa de redes sociais, vota em enquetes, baixa músicas, troca fotos e fala com parentes que moram longe.
Obviamente esse fenômeno é apresentado como mais uma obra que faz parte da fundação do país, que na cabeça dos fãs do governo, na imprensa e na população, vivia na era da pedra lascada até 2003. Mas não é bem assim. Como tudo no Brasil, essa inclusão digital tão festejada está mais para um espetáculo midiático do que para algo que deva ser considerado uma realidade sustentável e desejável. Nem entro aqui no mérito do péssimo conteúdo que é gerado, acessado e replicado pelo internauta brasileiro. Correntes, piadas grosseiras, música ruim, polêmicas, subcelebridades, transgressões de todos os tipos às leis como pedofilia, pornografia, venda de remédios controlados ou proibidos, ou seja, quase tudo que não presta.
Isso é um problema educacional. Somos um povo com educação precária, com pouca bagagem cultural e que é mantido numa espécie de estultícia pelos meios de comunicação de massa e pelo sistema educacional preguiçoso e ineficiente. O problema com a tal inclusão digital é a forma como esta se deu. Uma reportagem publicada recentemente deu conta de que nada menos do que 32 milhões de brasileiros acessam a internet através de lan houses. Esse é o tamanho da exclusão digitalizada, de gente que acessa a internet, porém está longe de poder aproveitar o que ela realmente pode proporcionar. Estes estabelecimentos oferecem conexão lenta, instalações precárias e com a impressionante média de 80% de clandestinidade. São lan houses de fundo de quintal, de garagem, de pequenos pontos comerciais sem alvará. Compartilham uma única conexão com vários computadores, o que torna sua velocidade bem próxima da experiência que os primeiros usuários de internet no Brasil viviam com a conexão discada. Pra quem nunca usou a velha “discada”, uma dica: pense em sinais de fumaça.
Óbvio que elas ajudam as pessoas a pagar contas, tirar segunda via de documentos, digitalizar arquivos, elaborar e fazer cópias de currículos, consultar seu crédito, entre outras coisas. Por este ponto de vista, elas atuam, como, por exemplo, flanelinhas ou o José Dirceu: na brecha gigantesca que o nosso estado sempre deixa aberta para quem quiser fazer ou usurpar o papel que seria dele. Não defendo aqui (cruz credo!) que se criem lan houses estatais ou coisa parecida e nem que o governo ressuscite dinossauros como a Telebrás para distribuir conexão gratuita por aí. Assim como a solução para a educação não é a distribuição de cotas em universidades, a solução para a “desinclusão” digitalizada não é a distribuição de acesso à internet como se fosse alguma panacéia. Também não falo dos computadores em si, porque hoje em dia é possível comprar uma máquina nova em 12 prestações de R$48,42. Falo da conexão mesmo, que ainda é cara. É preciso infra-estrutura, concorrência e fiscalização para que o serviço se torne eficiente e barato. Se hoje qualquer cidadão pode ter um celular com linha habilitada por menos de 100 reais, isso acontece porque a concorrência nesse setor possibilitou isso. Se o governo tivesse se metido na história, teríamos filas quilométricas para o cidadão pagar, sei lá, 500 reais pelo seu telefone estatal subsidiado, com espera de uns cinco anos. Sem contar o gasto extra com os 10% do funcionário responsável pelo cadastramento para nos passar à frente na fila. Não se justifica o preço da conexão à internet no Brasil e principalmente sua péssima qualidade. Se esta for adequada aos preços e padrões aceitáveis mundialmente, aí sim poderemos realizar a inclusão digital verdadeira no país. Porque até aqui, a única coisa que fizemos foi exportar o puxadinho para a internet.
Adorei seu texto. Concordo plenamente.
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