Desde que a pandemia do novo Coronavírus chegou ao Brasil, chovem questionamentos – feitos, inclusive, por próprios formadores de opinião – sobre a viabilidade e a continuidade da agenda liberal no país. Como se a necessidade de aumentar temporariamente os gastos públicos, ou de ampliar a rede de proteção social, colocassem em xeque todo o discurso em prol das reformas e da austeridade fiscal.
Antes de tudo, cabe aqui um pequeno resgate histórico. Nunca, no Brasil, as ideias liberais foram bem compreendidas. São décadas de negligência a reformas mais que necessárias no Estado brasileiro, enquanto optamos por políticas públicas econômicas de repasse de dinheiro da União sem resultados práticos ou pela criação de mais leis para ajudar o Estado a administrar a vida do brasileiro. Essas estratégias jogaram o país em uma recessão sem precedentes. Apenas com o fim dos governos de esquerda, e sentindo na pele os efeitos de uma crise econômica, que a população passou a entender que as enormes distorções estatais do país precisavam ser combatidas e que o melhor caminho para isto era através de uma economia de mercado com menos entraves; regras e burocracias; e mais liberdade para os agentes econômicos gerarem emprego e riqueza.
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Após o impeachment, medidas necessárias saíram do papel. O Teto de Gastos foi fundamental para segurar o crescimento explosivo dos gastos públicos, já insustentado pela arrecadação. A reforma trabalhista, apesar de encontrar resistência de corporações, buscou modificar o modelo arcaico de contratação no Brasil, que ainda é extremamente caro e responsável por desestimular a criação de novos postos de trabalho. Só nesse exemplo já é possível ver a importância desses dois projetos, tanto para sustentar um aumento de gastos mais responsável neste período de combate à Covid-19, quanto para facilitar a retomada econômica através da modernização das regras de trabalho, sobretudo neste momento em que muitas pessoas perderam seus empregos, e novas vagas deverão ser abertas.
As eleições mostraram que a sociedade brasileira está mais madura para entender a importância de uma economia livre para a prosperidade de uma nação. Isso pôde ser visto tanto na equipe econômica do Executivo, pela primeira vez, assumidamente liberal; quanto na escolha de um Congresso aberto a reformas. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem defendido sabidamente a prioridade destas matérias em seu mandato e conduzindo a casa para discussões importantes. Comemoramos a aprovação histórica da reforma da Previdência e da MP da Liberdade Econômica, que desburocratizou e melhorou o ambiente de negócios; recentemente, outra vitória importante: o Marco Legal do Saneamento. A lei abriu espaço para o investimento privado, permitindo que nós avançássemos neste setor que, embora seja fundamental, ainda está extremamente atrasado no país.
Graças a essas medidas, hoje, temos mais capacidade orçamentária para combater, por exemplo, os avanços do Coronavírus, além de poder oferecer uma rede de proteção aos desempregados e trabalhadores informais. Mas a agenda liberal não para por aí, muito pelo contrário, ela ganha ainda mais força. Sobretudo porque, depende dela, uma recuperação econômica eficaz após a crise causada pela doença.
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Um dos destaques desta agenda liberal é a reforma tributária. Com o projeto entregue pelo governo, o Congresso Nacional voltou a discutir a pauta. Obviamente, a proposta apresentada não é a ideal, mas o único fato dos agentes públicos se reunirem para enfrentar o monstruoso e complexo sistema tributário brasileiro já é um passo em direção ao caminho correto. A unificação de impostos federais em um IVA aponta para uma simplificação mais do que necessária no atual modelo existente. Este foi, inclusive, o tema da última Quinzena Econômica do Clube Millenium que, além de analisar o que está sendo proposto e as estratégias utilizadas, ainda trouxe dados alarmantes sobre o atual cenário.
“Num país onde se trabalha mais de 120 dias por ano apenas para sustentar o Estado, é imperativo que o governo convença a população e o setor produtivo de que está fazendo a sua parte e operando com mais eficiência um Estado menor. A tônica deveria ser gastar menos e melhor, e não arrecadar mais”, alerta o economista Sérvulo Dias no texto.
Por último, mas não menos importante, é fundamental dar continuidade à reforma administrativa. Ela se tornou ainda mais essencial diante do agravamento das contas públicas, decorrentes do aumento da despesa – devido ao apoio financeiro a grupos mais necessitados – e da queda da arrecadação, motivada pela crise que afetou o setor privado. A reforma administrativa ataca um problema crônico do Brasil: os altos salários e benefícios concedidos a um grupo privilegiado de servidores. Esse fator, somado a um sistema ineficiente de avaliação de desempenho, acaba prejudicando todo o funcionalismo, na medida em que cria uma desigualdade dentro do próprio sistema, e desestimula aqueles servidores produtivos. É um exemplo claro da expressão “Robin Wood às avessas”: o Estado arrecada da população, e destina esse dinheiro a uma parcela que já se encontra entre os mais ricos da sociedade brasileira, estimulando a concentração de renda. Como se não bastasse, grande parte do Orçamento está congelada para o pagamento de salários, tirando verbas que poderiam ser investidas em outras áreas essenciais.
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Com todos esses exemplos, é fácil refutar o argumento de que o atual cenário interrompeu a agenda liberal. Ela continua se fazendo presente e agora, mais do que nunca, é extremamente necessária. Todas as reformas são envolvidas em um complexo jogo político, que encontra muita resistência dos grupos organizados mais afetados pelas mudanças. Por isso, o apoio da população é mais do que fundamental no processo de aprovação desses projetos.
Juntos, exercendo o nosso papel de cidadãos, vamos sair desta crise ainda mais maduros economicamente e socialmente. O melhor trajeto para isto continua apontando em direção à liberdade.