Pensei intitular este artigo “A morte do liberalismo nos EEUU”, mas a palavra era forte demais e não correspondia à realidade.
O liberalismo clássico – o de Adam Smith, John Locke, Thomas Jefferson, etc – não morreu. Agoniza em seu leito, mas pode ainda se recuperar salvando-se da morte.
Uma das evidências disso é que, na recente eleição para Presidente dos EEUU, o eleitorado mostrou-se dividido entre Mitt Romney – o candidato mais próximo da tradição liberal dos founding fathers e Barack Obama – o candidato antiliberal que obteve uma vitória apertada, muito diferente de sua primeira eleição.
Além disso, o Partido Republicano tem a maioria na Câmara dos Deputados, o que significa dizer que Obama e os membros do Partido Democrata não conseguirão passar facilmente suas medidas, sem uma negociação com a oposição.
Parece uma constante em eleições americanas que quando é eleito um Presidente democrata, ele tem que governar com a maioria do Congresso de membros do Partido Republicano e vice-versa.
Constitui-se desse modo um sistema de contrapeso capaz de impedir a hegemonia de qualquer partido, diferentemente do Brasil atual em que a oposição é venal ou tíbia, e o PT já se tornou um partido hegemônico.
Derrotada nas urnas, a oposição nos EEUU não passa a ficar se lamentando da derrota, nem aguardando barganhas oportunistas com o partido do governo, mas sim cumpre seu papel de oposição, que consiste em exercer seu senso crítico em relação a medidas governistas.
E isto é justamente o que se espera do jogo da democracia em que a oposição tem um relevante papel a cumprir. Não se coloca à espera da compra de seus votos por um partido que almeja a hegemonia, como mostrou o lamentável episódio do julgamento do Mensalão – uma meia-sola, é verdade, mas é melhor do que sapatos furados.
Mas qual a razão da vitória apertada de Obama? É escusado dizer que ela é uma evidência da predominância conjuntural das ideias da social democracia européia continental sobre o liberalismo clássico angloamericano.
E isto apesar de um fator de grande peso nas decisões dos eleitores: a taxa de desemprego. Enquanto ela é da ordem de 8% nos EEUU – uma taxa considerada alta para os padrões americanos – ela atinge 25% em alguns do PIGS da zona do euro, mais especificamente Espanha e Grécia.
Contudo, a maioria do eleitorado americano não leva em consideração essa comparação. Ouso dizer que esta mesma maioria simplesmente a ignora em virtude de seu caráter paroquial e sua grande indiferença pela situação econômica da zona do euro e por tudo que não diz respeito diretamente aos EEUU.
Uma pista para uma tentativa de explicação para a apertada vitória de Obama está no eleitorado de Washington DC. Neste Distrito Federal, Obama obteve 93% de votos contra 7% dos votos de Romney – uma vitória acachapante! Este fato é bastante relevante quando examinamos a peculiaridade do eleitorado local, emblemático do nacional.
A capital dos EEUU é conhecida como “a cidade dos telefones¨”, pois tem mais linhas telefônicas do que habitantes. Acrescente-se a isto que a maioria esmagadora dessas linhas não é privada, mas sim de órgãos da administração pública federal.
Além disso, e complementando isso, Washington é extremamente parecida com a douce France. De cada grupo de dez habitantes empregados, muito mais da metade são funcionários públicos.
“Bureaucratie”, um hibridismo de cunho gaulês, composto de ‘bureau” (escrivaninha em francês) e “kratos” (poder, governo, em grego) que caracterizou o governo francês desde a Revolução Francesa (1789) até os tempos atuais.
Mas atualmente não só os jovens franceses desempregados estão atravessando o Canal da Mancha, como também os mais ricos. E isto em virtude de uma alíquota de 75% de seus vencimentos decretada pelo socialista democrático François Hollande, além de taxar em 60% os ganhos de capital. Isso é um assalto à mão armada…de caneta!
Macaquinho de imitação das francesites, Obama já acenou com um aumento de impostos incidindo sobre os mais ricos. E seu critério de “mais ricos” não inclui apenas bilionários, como Warren Buffet e Bill Gates, mas também grande parte da alta classe média.
Não chega a ser como o do PT, que considera alguém que ganha de R$ 200,00 a R$1.200,00 inserido na classe média.
Desse modo, fica muito fácil noticiar a ascensão à classe média de 40.000.000 de brasileiros promovida pelo grande partido Será preciso ser economista para perceber essa picaretagem, ô mané?!
Aumento de impostos é a única forma que os socialistas conhecem para reduzir os gastos do governo. Pelo aumento da receita, não por cortes de despesas, porém pela elevação crescente da tributação.
É compreensível que uma cidade de burocratas – Washington ou Brasília – em que a maioria da mão-de-obra ativa é funcionário público ou pendurada no Estado – tenha uma tendência a votar sempre a favor do governo. A menos que este mesmo trate com desdém suas reivindicações salariais pelo congelamento de seus salários diante uma inflação crescente.
Mas não parece haver insatisfação dos funcionários federais com Obama. 93% de votos a seu favor é uma clara evidência do contrário: eles estão muito satisfeitos com Obama, apesar de seu governo medíocre no âmbito nacional.
É verdade que Obama reduziu a taxa de desemprego gerada no governo do republicano George W.Bush, mas é verdade também que aumentou consideravelmente a burocracia e com seus bail outs colossais elevou em níveis estratosféricos o défict público, coisa capaz de gerar problemas econômicos em médio e longo prazo.
Mas que importa o longo prazo? “Em longo prazo estaremos todos mortos”, como dizia John Maynard Keynes, o guru do democrata Franklin Delano Roosevelt e seu New Deal. E ao que tudo indica o guru de Obama também.
Contrapondo-se a essa ideia perversa acalentada por ambos os Presidentes, o liberal clássico Winston Churchill costumava dizer: “A diferença entre o bom e o mau político é que o primeiro age pensando nas próximas gerações, mas o segundo nas próximas eleições”.
E é preciso acrescentar que o próprio Churchill foi uma vítima disso que disse, pois finda a Segunda Guerra – em que ele foi o líder da heróica resistência britânica ao nazismo – seu partido, o Partido Conservador (Tory) perdeu as eleições para o Labour Party (Partido Trabalhista). E seu líder, Clement Attlee, se tornou Primeiro-Ministro.
Na realidade, o liberalismo clássico é o de Adam Smith, John Locke, Thomas Jefferson e sua facção dentre os founding fathers.
Não o que os americanos hoje chamam de “liberalism” que nada mais é do que o welfare liberalism (liberalismo do bem-estar) que teve sua origem na Inglaterra do século XIX e que pretendia cuidar do cidadão paternalisticamente from womb to tomb (do útero ao túmulo ou, mais coloquialmente: do berço ao túmulo).
Essa outra forma de liberalismo só era liberal na dimensão juridicopolítica em que defendia as chamadas liberdades civis: as liberdades de associação, de expressão, de ir e vir, etc. Mas nessa dimensão, os social-democratas também são liberais.
Mas não poderiam ser considerados liberais, no sentido clássico do termo, porque não conjugavam o liberalismo político com o econômico, pois praticavam e ainda praticam hoje fortes intervencionismo e protecionismo, entre outras práticas visceralmente contrárias aos princípios do liberalismo clássico de Adam Smith.
O chamado welfare liberalism, sustentado principalmente pelos fabianos no Reino Unido, pouco diferia das políticas públicas assistencialistas de Bismarck e E. Bernstein na Alemanha e do atual socialismo democrático europeu representado no Reino Unido pelo PartidoTrabalhista.
E é por isso que não é equivocado dizer que o Partido Democrata, em um momento de sua história, transformou-se em um partido social-democrata da Comunidade Européia. E que Obama é o Hollande americano que sucedeu o republicano Bush, assim como o Obama francês sucedeu o “direitista” ou “conservador” Sarkozy.
Seu maior defeito já foi apontado: a única maneira que eles conhecem para reduzir os gastos do governo é pelo aumento da receita, não por cortes de despesas, mas sim pelo aumento da tributação.
Não importa que o novo sistema de saúde venha a aumentar drasticamente a dívida pública, desde que ele agrade às massas, pois os bail outs colossais obamistas são empurrados com a barriga para futuros governos.
Na realidade, o que Obama pratica é a chamada política Robin Hood, tirando dos ricos para dar aos pobres. É a execrável redistribuição de renda tão louvada pelos socialistas que, como Hollande, elevou a alíquota do imposto de renda a 75%.
Fazem isso sem se preocupar com as nefastas conseqüências disso: aumento da sonegação – mediante a qual os ricos protegem seu patrimônio – e desemprego causado pelo fator negativo ao empreendedorismo. Descapitalizados, os grandes empresários investem menos em suas empresas e se vêem compelidos a despedir muita gente, para evitar a falência.
E isto para não falar nos que atravessam a fronteira para a Bélgica ou o Canal da Mancha na direção da Ilha de John Bull.
Ao fazer constantes vituperações contra as grandes fortunas, Obama se assemelha a um comunista em seu forte ressentimento em relação aos bem sucedidos, como se ele não fosse um deles.
Como se os ricos construíssem seu patrimônio mediante a exploração dos pobres, não mediante seu trabalho duro e honesto, bem como a aceitação dos riscos inerentes a todo e qualquer empreendimento privado, não aquinhoado por benesses do Estado.
Dos founding fathers ao governo do Presidente Calvin Cooolidge, pode-se dizer que a orientação politicoeconômica americana era autenticamente liberal na sua acepção clássica, mas no annus mirabilis de 1929 ocorreu uma drástica mudança de rumo.
Coolidge governou o país de 1923 a 1929, o fatídico ano do crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que produziu grandes recessão e desemprego nos EEUU e em todo mundo, com maior ou menor gravidade.
Veio então a terrível década de 30 – em que ocorreu a colossal inflação da República de Waimar – numa época em que a imaginação econômica ainda não tinha inventado a correção monetária – a ascensão do Partido Nazista e, na União Soviética, com a morte de Lenin em 1924, Stalin, “o homem de aço”, chegou ao poder.
Membro do Partido Democrata, Franklin Delano Roosevelt sucedeu Calvin Coolidge e teve de enfrentar a Grande Depressão.
E o que fez ele? Criou grandes empresas estatais, como a Tenessee Valley, voltadas para grandes empreendimentos cuja função precípua era fornecer o maior número possível de empregos.
Levando em consideração o grande problema social do desemprego em massa, podemos discutir se Roosevelt não teve outra alternativa ou se ele teria outros modos de resolver, ainda que em médio prazo, o desemprego que assolava o país.
Mas o fato é que, da década de 30 em diante, o Estado americano não parou de crescer e a mentalidade estatizante do welfare state passou a fazer um contraponto com a mentalidade liberal clássica, tendência predominante de George Washington a Calvin Coolidge.
Os governos dos republicanos Ronald Reagan, George Bush e George W. Bush foram apenas interrupções atenuantes da mentalidade (social) democrata sucessora da grande Era Liberal iniciada por Washington e finda com Coolidge.
Quando estourou a grande crise americana no governo de George W. Bush não podemos eximi-lo totalmente de responsabilidade pela mesma, mas devemos lembrar que os estopins da crise foram a falência da Freddie Mac e da Fanny May, grandes imobiliárias semiestatais criadas pelo governo democrata de Franklin Delano Roosevelt.
Em outras palavras: seguindo a orientação de seu guru, John Maynard Keynes, Roosevelt pensava que “em longo prazo todos estaríamos mortos”. Sendo assim, não pensou nas próximas gerações – como propugnava Churchill – porém nas próximas eleições.
Não é de surpreender que esse Presidente democrata tivesse armado uma bomba-relógio que estouraria no colo do republicano George W. Bush.
E que acabaria se tornando um terreno fértil para outro democrata, Barack Obama, desenvolver seu discurso demagógico e populista enfeixado por dois slogans de grande efeito retórico: Change! Yes, we can!
Mutatis mutandis, Obama, Hollande e Lula são farinha podre do mesmo saco. Sofistas mais habilidosos do que o vetusto Górgias de Leôncio (483-376 a.C), são capazes de produzir uma pegajosa baba-de-quiabo persuadindo milhões de apedeutas e esquerdopatas que eles são os salvadores de suas pátrias.
Com a segunda vitória de Obama, as esquerdas em todo mundo, já estão vaticinando a vitória das minorias crescentes nos EEUU e a derrota final dos WASPS (“Vespas” em inglês, mas como sigla: “White American Anglo-Saxon Protestants”).
Mas se esquecem de que foram estes mesmos WASPS que transformaram um país pobre até século XIX na maior potência econômica, bélica e cultural mundial nos séculos XX e inícios do XXI.
Texto brilhante! Uma aula para todos nós!
Belíssimo trabalho. Só discordo na parte em que coloca Bush pai e Bush filho como representantes dos liberalismo. Como falar que governantes que aumentaram tanto os gastos nacionais, no caso do primeiro, inclusive com aumentos significativos de impostos, são liberais? Fato é que depois de Reagan os EUA estiveram reféns de presidentes inábeis e/ou mal intencionados.