Com o agravamento da crise no mundo rico, pelo menos uma aposta do Banco Central (BC) parece dar certo.
Mais que isso: se o governo grego der um calote desordenado e causar um estrago maior nas finanças da Europa, o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá ganhar status de oráculo.
Talvez seja proposta uma canonização coletiva, se os bancos europeus perderem os €300 bilhões estimados num dos piores cenários do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas não será necessária uma catástrofe dessa proporção. Para justificar o corte de juros anunciado no dia 31 de agosto, o comitê alegou, entre outros pontos, a perspectiva de uma boa e simples desaceleração da economia mundial – mesmo sem recessão e sem quebradeira.
Segundo o argumento, uma expansão menor da economia mundial deverá atenuar ou eliminar as pressões inflacionárias.
Além disso, as pressões já diminuem no Brasil.
Para completar, o governo da presidente Dilma Rousseff está comprometido com uma política fiscal mais moderada, abrindo espaço para uma redução dos juros básicos. O conjunto parece bem arrumado. Mas será realista? Só um dos pontos alegados pelo Copom, a piora do cenário mundial, parece confirmado. Mas nem esse dado é definitivo.
Tudo poderá piorar, se as medidas anticrise propostas pelos governos da Europa e dos Estados Unidos forem rejeitadas pelos parlamentos, ou se apenas uma parte for aprovada. No caso dos Estados Unidos, o quadro será bem melhor se o Congresso aceitar todo o pacote apresentado pelo presidente Barack Obama ou, pelo menos, seus componentes mais importantes.
Nessa hipótese, a economia americana poderá crescer 2,8% no próximo ano, um ponto acima da atual projeção do FMI, segundo explicou ao Estado o economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard. Na Europa, os governos pressionam os parlamentos para aprovar o novo modelo do fundo de estabilidade financeira. Se os parlamentares alemães concordarem, seus colegas de outros países da zona do euro serão estimulados a seguir o mesmo caminho. Nem todos os problemas serão resolvidos, mas a insegurança deverá diminuir e o financiamento das dívidas públicas poderá ser mais fácil e menos custoso. Bastaram algumas boas notícias, ou mesmo rumores positivos, para animar os mercados europeus nos últimos dois dias. Disso resultou a boa aceitação de novos papéis emitidos pelos governos da Itália e da Espanha. Ainda há, é claro, um perigoso déficit de liderança e de coordenação entre os governos, mas, até por falta de alternativa, os dirigentes dos dois países mais importantes, a Alemanha e a França, vêm tentando, unidos, apontar o caminho.
Algum resultado têm conseguido.
Se bastasse o quadro internacional para justificar o corte de juros, seria difícil criticar a decisão do Copom. Mesmo na hipótese de uma evolução mais favorável das condições externas, a ação preventiva ainda seria defensável. Mas a nova política monetária foi explicada com uma argumentação mais ampla e muito mais discutível.
Segundo o presidente do BC, Alexandre Tombini, a inflação estará abaixo do teto da meta, 6,5%, no fim deste ano. As projeções do mercado financeiro e das consultorias independentes são menos otimistas.Mas essa não é a questão mais importante. Uma fraçãozinha a mais ou a menos, até dezembro, fará pouca diferença.
Importa mesmo saber onde estará a inflação no próximo ano. Segundo as projeções independentes, estará perto de 5,5% em dezembro de 2012. Se houver um bom fundamento para essa estimativa, a pergunta será inevitável: continua em vigor o regime de metas? Segundo o BC, sim. Mas esse regime só funciona com uma boa administração de expectativas.
Quando surgem dúvidas sobre o compromisso e sobre a autonomia do BC, o sistema tende a perder eficácia.
Os sinais de desaceleração da economia brasileira continuam pouco claros.
Também isso pesa nas avaliações.
Os dados de crédito publicados ontem pelo BC reforçam as dúvidas, porque os empréstimos continuam crescendo.
A única novidade importante é a piora da linguagem: “A expansão do crédito bancário registrou aceleração em agosto, mantendo, porém, a trajetória de moderação observada ao longo do ano”, etc. Aceleração na trajetória de moderação? Finalmente, há a aposta no compromisso do governo com uma política fiscal moderada. É uma alegação muito estranha, quando o projeto de Orçamento para 2012 tem como base uma estimativa de expansão econômica de 5% e inclui a perspectiva de um desconto no superávit primário, com abatimento de R$ 40,6 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse desconto equivale a 1% do PIB projetado. Por enquanto, só a piora do quadro internacional parece confirmar as hipóteses do Copom. Talvez um calote grego provoque um estrago suficiente para tornar irrelevantes todas as dúvidas. Só falta alguém do BC torcer por isso.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/09/2011
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