Desde que a Arbitragem chegou em nosso país existe a discussão de qual e quanto espaço ela deveria ocupar em meio aos negócios e transações lícitas e jurídicas praticadas por pessoas e empresas. E, desde sempre, também, o debate foi e é acirrado.
Se por um lado temos os defensores de tal ferramenta com a menor intervenção estatal e, portanto, da normatização por ela produzida, em nome da iniciativa privada e sua liberdade de ação, de outro temos ferrenhos defensores do modelo estatizante, burocrático e repleto de métodos, sistemas de controle, auditorias e demais insumos pendurados às engrenagens.
Nesse momento, ocorre o debate central sobre um assunto crucial ao que será a atuação da Arbitragem daqui à frente. Estamos falando da incidência de uma nova legislação a somar-se às existentes, ou de se admitir de maneira mais assumida e ativa a autorregulação, mais voltada à autonomia do instituto, seus operadores e beneficiários. Vamos a uma rápida análise deste momento.
O instituto da Arbitragem tem origem normativa com o Protocolo de Genebra, em 1923, instituindo a cláusula arbitral nos instrumentos comerciais internacionais e a garantia da execução das sentenças arbitrais. Seguiu-se a Convenção de Panamá em 1975, a qual foi ratificada pelo Brasil em maio de 1996 e a Lei 9.307/96. Por fim, temos o artigo 4º, inciso VII e artigo 217 da Constituição Federal.
Parece-nos correto afirmar que os motivadores da criação dessa modalidade de solução de atritos seguem existindo, mais ou menos mitigados, e bastante evidentes, como as falhas do Poder Judiciário, aumento da complexidade nos negócios, necessidade de conhecimento técnico para dirimir questões financeiras e operacionais, globalização da economia, criação de blocos supranacionais, entre outros.
Temos, ainda, as características atrativas da Arbitragem, tais como celeridade, imparcialidade, especialização, sigilo de negócio, flexibilidade, custos reduzidos e transparência na escolha das normas (contratos e acordos) que irão reger a transação em si e as consequências advindas dela.
Depois de uma trajetória bastante marcada por burocracias e choques de vaidades entre dirigentes de entidades e autoproclamados representantes do gênero, agora um dos pontos a serem debatidos é a necessidade ou não de legislação que regulamente o assunto e seus atores.
Na visão de alguns juristas mais experientes, a fonte expressa de orientação da Arbitragem são os contratos, ou seja, compêndios particulares nos quais são apresentadas, inicialmente, as condições de elaboração do negócio, as formas de desenvolvimento e processamento do mesmo e os objetivos desejados pelas partes envolvidas, com os respectivos ganhos, perdas e suas consequências. Ou seja, não existiria dependência de legislação.
A atual proposta limita os poderes dos árbitros e torna os procedimentos públicos. Como defende uma das duas alas, o instituto não vem para aliviar o número de processos diretamente, mas, sim, atuar de forma complementar à atividade jurisdicional. Logo, não haveria motivo para aplicar a rigidez das regras legais e da formação da Jurisprudência ao modo de operar da Arbitragem.
Quem conhece a Arbitragem em países estrangeiros desenvolvidos, nos quais ela é empregada há muitas décadas antes do que em terras brasileiras, sabe que a maior distância da burocracia é uma das características mais apreciadas, senão a maior vantagem da modalidade. A formalidade desejada pela ala oposta visa dar um caráter, teoricamente, mais sólido ao instituto. Então, o centro desse debate se dá no ser necessário ou não fazer essa mudança rumo ao que parece ser um engessamento.
Ao lado dos mantenedores da filosofia “menos é mais”, estão alguns fatos, entre eles a simpatia dos estrangeiros por métodos mais compatíveis e inteligíveis com os que praticam em seus países.
Por outro lado, ao verificar-se que as partes preferem entregar as complexidades técnicas de uma questão aos árbitros especialistas e assim diminuir significativamente o custo e o tempo de trabalho dos peritos, todos indicados por juízes, vale ressaltar, os defensores da burocratização da atividade arbitral levantam problemas aparentemente inexistentes ou que não justificam tornar lenta a solução arbitral.
Os defensores da agilidade assumem existir problemas no estado em que o instituto se encontra, mas são veementes em afirmar que a nova legislação não é solução ou melhoria de forma alguma, e sim o contrário.
Se um número cada vez maior de árbitros, por seus melhores desempenhos, vem assumindo mais questões do que poderia dar conta, dentro de um tempo razoável, a limitação sugerida do número de arbitragens é vista como um absurdo. Realmente, se o mesmo paralelo for traçado para os magistrados, teremos o caos instalado no Poder Judiciário, além do já existente, claro.
Essa é uma lição que a Arbitragem precisa aprender rapidamente para não se tornar a cópia do caminho quase eterno trilhado pelos processos judiciais nas mãos dos magistrados. A penalidade é o esvaziamento do instituto pela morosidade e descrença de seus até então adeptos.
Uma das opções apontadas por operadores da área é o auxílio das jurisprudências voltadas à Arbitragem, com ênfase aos julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Segundo os técnicos, essa fonte do Direito pode estabilizar e pacificar as arestas existentes em demais procedimentos julgados esparsos e colidentes entre si, distribuídos por varas e comarcas sobre o território nacional. Isso é possível porque um dos papeis da Jurisprudência é interpretar as normas, conferindo-lhes aplicabilidade aos casos concretos de maneira mais direta e célere.
Outro ponto que precisa ser ajustado é a publicidade das decisões arbitrais e os segredos de negócio e quebras de sigilo contidos naquelas. Como formar Jurisprudência ou unificação de decisões se os principais dados e detalhes permanecem em segredo de justiça? Isso precisa ser melhorado, até porque a tendência mundial é a publicidade, conservando-se o sigilo e a confidencialidade.
Diante do quadro exposto, o que depuramos é que a franca maioria dos profissionais com mais experiência prática no emprego da Arbitragem como solução de conflitos defende que a modalidade permaneça com a autorregulação, a fim de manter-se mais ágil e menos custosa do que o Poder Judiciário.
A menor parte, conexa a um desejo profundo de transformar a Arbitragem em um clone do próprio Poder Judiciário, com número excessivo de normas e regras, também defende o emprego de peritos e perícias em lugar de avaliações e laudos produzidos por árbitros. Nos parece incompatível com o instituto pela essência dele.
A nossa opinião está embasada nas competências do Direito Público e do Direito Privado. A Arbitragem é, por essência, um instrumento bastante viável e recomendável às relações entre pessoas e empresas para lidar com suas transações de forma direta, menos custosa e mais rápida – simples assim.
Seja o que for que se apresente para modificar essas características, deforma e prejudica os resultados a se alcançar nessa modalidade. Na verdade, as máquinas estatais é que podem e devem aprender com as qualidades do instituto eminentemente particular.
Desde o seu atavismo a Arbitragem goza e deve seguir gozando da sua maior característica – a liberdade de viver e fazer viver um maior entendimento entre os seres humanos e seus empreendimentos.
João Antonio é professor e especialista do Instituto Millenium. Conheça seu canal no youtube!