Nenhum marketing pode gerar alianças entre países se não estiver reunida uma grande massa crítica de interesses comuns militares, econômicos e diplomáticos
O Brasil nunca havia pertencido anteriormente a uma lista tão seleta e restrita de potências mundiais. No caso, nada nos custou ingressar nessa companhia. Por isso, é legítima a ressonância que a sigla adquiriu entre nós e a ênfase que lhe é dada na avaliação de nossa inserção internacional. Fazer parte dos Brics soma, mesmo porque não fazer parte é um ponto negativo para o prestígio de qualquer país emergente. Mas, além da unanimidade rodriguiana que se fez em nosso país, é também útil refletir um pouco mais sobre o significado do grupo na cena internacional e o valor efetivo que tem para nosso país, em especial.
Comecemos pelo óbvio. Três dos integrantes são países asiáticos com enormes populações, territórios e profundas divergências estratégicas, mas alguns interesses comuns. O Brasil pouco ou nada tem a ver com isso, nem a África do Sul, que entrou tardiamente para não deixar de incluir um país africano no grupo. Os Brics, na essência, acham-se centrados na China. Não que este país pretenda ou necessite obter apoio militar ou geopolítico dos seus parceiros. Os chineses não seriam nunca ingênuos para cogitar disso e só no momento da maior ameaça soviética, no início dos anos setenta, buscaram a aliança militar não totalmente explícita com os Estados Unidos, como ficou consolidado na visita de Nixon a Pequim e Xangai em 1972. Mas porque, sendo indiscutivelmente a segunda superpotência global, a China ocupa com naturalidade um lugar destacado em qualquer companhia e sua inclusão reforça poderosamente a imagem do grupo. A presença de quatro outros grandes países favorece-lhe a mão internacionalmente, sem engajá-la a mais do que declarações gerais ou propostas de difícil concretização, como um banco mundial alternativo. Os Brics dão à China uma excelente plataforma, de baixo custo político e nenhum comprometimento sério. A recíproca para os demais membros é igualmente verdadeira. Daí o valor básico da sigla.
Para a Rússia de Vladimir Putin, o que mais interessa é voltar a vestir o manto de grandeza e força mundial que foi da União Soviética e se perdeu, depois da queda. Todos os seus atos internacionais têm este foco essencial. Os Brics são parte dessa estratégia, ainda que de forma apenas subsidiária. Para a Índia, que aspira também a uma maior afirmação de seu poder, é muito útil pertencer a um grupo prestigioso e seleto, que lhe fornece apoio retórico e apresenta poucas cobranças, além talvez de uma vaga e imprecisa dissuasão militar contra seus inimigos. É necessário, entretanto, ter em mente que ambos os países vivem tempos difíceis e estão longe de ter uma economia consolidada que tenda a um alto crescimento sustentável. Para ambos, é vantajoso fazer parte dos Brics, mas não podem ver neles uma alavanca econômica de grande vigor. Esse é também o caso do Brasil e da África do Sul, cada um com suas características próprias, em particular a de não possuir força militar que se compare nem de longe aos três parceiros asiáticos.
Há grandes vantagens para nosso país em estar dentro dos Brics, principalmente agora que o grupo vai se organizando melhor e se reunindo com regularidade. Ombrear-se de forma equilibrada com alguns dos países gigantes de nosso tempo só pode ser positivo. A única precaução que sempre deve estar presente é a de não perder de vista os limites operacionais dos Brics. Em outras palavras, nunca encará-los como um aliança estratégica no verdadeiro sentido da palavra ou não esperar que entre eles se produza um alinhamento sistemático de políticas externas, nem pretender que representarão um fomento adicional ao nosso comércio exterior. Para usar uma expressão que os gregos usavam para significar ambição desmedida e perigosa, não podemos cair na armadilha do “hubris”. Porém, com pilares realistas, podemos esperar construir uma geometria variável que eleve o grupo dos Brics a um patamar de influência diplomática capaz de fazer-se ouvir gradativamente mais na cena internacional.
O banqueiro Jim O”Neill, ao inventar a sigla, tinha um propósito estritamente profissional: fazer o marketing de um conjunto de países para criar e vender novos produtos de seu banco. A criatura caminhou muito além da imaginação de seu criador. Mas a mais elementar lição da história é que nenhum marketing pode gerar alianças entre países se não estiver reunida uma grande massa crítica de interesses comuns militares, econômicos e diplomáticos. O que não é definitivamente o caso dos Brics.
Fonte: O Globo, 24/08/2012
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