*Sara Almeida
Aos 29 anos, Luana Lopes Lara se tornou a pessoa mais jovem do mundo a construir a própria fortuna bilionária, com um patrimônio estimado em cerca de US$ 1,3 bilhão. Nascida em Belo Horizonte, Luana construiu uma trajetória que parece saída de um roteiro cinematográfico: da Escola do Teatro Bolshoi, onde estudou balé clássico e chegou a dançar profissionalmente na Áustria, até as salas do MIT e os escritórios de Wall Street.
Sua história começa com uma infância marcada pela disciplina rigorosa do balé. Filha de uma professora de matemática e de um engenheiro elétrico, Luana equilibrava as exigências do palco com a excelência acadêmica. Conquistou medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e bronze na Olimpíada de Matemática de Santa Catarina, sinalizando desde cedo que seu talento transcendia os palcos.
Em 2013, após nove meses como bailarina profissional na Áustria, Luana tomou uma decisão que mudaria sua vida: estudou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, onde se formou em Ciência da Computação e Matemática. Foi lá que conheceu Tarek Mansour, seu futuro sócio, com quem fundaria a Kalshi em 2018.
A Kalshi não é uma casa de apostas, como muitos interpretaram erroneamente. É uma exchange regulamentada que permite aos usuários negociarem contratos baseados em eventos futuros mensuráveis, desde indicadores econômicos até resultados políticos. A empresa captou US$ 1 bilhão em dezembro de 2024, elevando seu valuation para US$ 11 bilhões, um crescimento exponencial em menos de seis meses.
O caminho até o sucesso foi tortuoso. Luana e Tarek enfrentaram dois anos de incerteza absoluta, buscando regulamentação para um modelo de negócio inédito. Eles procuraram mais de 40 escritórios de advocacia antes de conseguir a aprovação da CFTC em 2020. Naquele período, viveram com a constante ameaça de falência, sem um único produto lançado.
Hoje, a Kalshi movimenta mais de US$ 1 bilhão por semana e se consolidou como líder no mercado de previsões, com parcerias estratégicas que incluem a xAI de Elon Musk e a Liga Nacional de Hóquei dos Estados Unidos.
A história de Luana levanta uma questão incômoda: por que ela precisou deixar o Brasil para construir um império bilionário? A resposta está nos números alarmantes que retratam o ambiente hostil ao empreendedorismo no país.
O Brasil ocupa posições vergonhosas nos rankings internacionais de competitividade. Segundo estudo do grupo holandês TMF com 79 países, o Brasil ocupa a sexta posição entre os ambientes mais complexos do mundo para empreender, perdendo apenas para Grécia, França, México, Turquia e Colômbia.
No Brasil são necessários, em média, 129 dias para abrir uma empresa, variando de 24 até 304 dias dependendo da cidade. Enquanto isso, países com mercados mais livres permitem que empreendedores iniciem seus negócios em questão de dias ou até horas.
A complexidade não termina com a abertura. O Brasil é o país em que as empresas gastam mais horas para apurar, declarar e pagar impostos: cerca de 1.501 horas por ano, em média. Para efeitos de comparação, empresas em países da OCDE gastam apenas 159 horas com as mesmas obrigações, quase dez vezes menos.
Um empreendedor brasileiro precisa navegar por um labirinto kafkiano de obrigações acessórias. É necessário preencher, em média, 7,6 fichas nos demonstrativos de apuração do ICMS, quantidade que varia entre 3 e 19 fichas, dependendo do estado. Isso sem contar as mais de 60 modalidades diferentes de impostos e contribuições espalhadas por leis federais, estaduais e municipais.
O Brasil ocupa a posição 184 no quesito pagamento de impostos no ranking Doing Business, quase o último colocado entre os países da lista. O sistema tributário brasileiro é tão complexo que ganhou o apelido de “manicômio tributário”.
Mais de 39% de todas as empresas brasileiras têm pelo menos uma pendência de pagamento de tributos federais ou no cumprimento das exigências. Isso não ocorre por má-fé, mas pela complexidade absurda de um sistema que muda constantemente e se contradiz.
A reforma tributária em curso, embora prometa simplificação futura, adiciona uma camada extra de complexidade no curto prazo. Durante todo o período de transição até 2032, as empresas terão de operar sob dois sistemas tributários ao mesmo tempo.
Para uma startup como a Kalshi prosperar, era necessário capital e, mais importante, um ambiente regulatório que permitisse inovação. As taxas de juros no Brasil são muito elevadas e existem poucas linhas de financiamento especiais para abertura de novos negócios, tornando praticamente impossível para empreendedores alavancarem seus negócios sem capital próprio significativo.
Nos Estados Unidos, Luana e Tarek tiveram acesso a investidores dispostos a apostar em ideias disruptivas, mesmo em mercados altamente regulados. No Brasil, o cenário é radicalmente diferente: investidores são extremamente conservadores, preferindo modelos de negócio comprovados em mercados estáveis
A fuga de Luana não é um caso isolado. É sintoma de uma doença sistêmica que sangra o Brasil de seus melhores cérebros. E
studo realizado pelo Boston Consulting Group em 180 países aponta que 87% dos experts digitais brasileiros desejam construir uma carreira no exterior, uma porcentagem muito superior à média global de 67%. Os Estados Unidos, citados por 63%, aparecem como destino de preferência, seguidos de Canadá, Portugal, Alemanha e Austrália.
Em 2024, os EUA concederam 2.793 vistos de trabalho das categorias EB-1 e EB-2 a brasileiros, volume que supera o total emitido em 2021 e 2022 somados. Em 2022, o número de vistos concedidos a brasileiros com ensino superior saltou de 147 para 1.983, um aumento de mais de 13 vezes.
As razões dessa fuga de cérebros são múltiplas e sistêmicas:
Remuneração não competitiva: 73% das startups concordam que existem condições mais atrativas internacionalmente, e 60% dizem que a remuneração no mercado brasileiro não é competitiva comparada a mercados internacionais.
Ambiente hostil à inovação: Menos de 50% das pessoas acham que é fácil empreender no Brasil e quase metade dos adultos diz que não começa um empreendimento por medo que ele fracasse.
Falta de perspectiva: A principal motivação para a emigração é o desejo de alcançar um melhor padrão de vida, caracterizado pelo maior poder de compra da remuneração no exterior e pelo equilíbrio entre trabalho e tempo livre.
Instabilidade estrutural: A instabilidade econômica do Brasil, caracterizada por inflação, flutuações cambiais e políticas governamentais imprevisíveis, dificulta o planejamento de longo prazo e o crescimento dos negócios.
A fuga de talentos não é apenas uma perda simbólica. 92% das startups acreditam que faltam profissionais de tecnologia no Brasil e entendem que um dos principais efeitos dessa lacuna é o atraso de seus negócios. Este é um ciclo vicioso: a falta de talentos impede o crescimento das empresas locais, que por sua vez não conseguem oferecer oportunidades atraentes, o que alimenta ainda mais a fuga.
Se um profissional brasileiro se forma em seu país mas trabalha para o escritório local de uma empresa americana, ele não contribui para o mercado nacional mas sim para os Estados Unidos, explica Joe White, cientista de dados da Tortoise. O Brasil forma talentos de altíssima qualidade, reconhecidos internacionalmente, mas não consegue retê-los.
Segundo o estudo Brazil Tech Diaspora da Endeavor, profissionais do setor de tecnologia com origem no Brasil estão presentes em 138 cidades, distribuídas por 31 países e cinco continentes. O levantamento mapeou cerca de 400 fundadores, investidores e executivos brasileiros atuando no exterior.
Mais da metade vive ou atua nos Estados Unidos, com 12% concentrados no Vale do Silício. A Europa aparece como segundo destino mais relevante, com 30% dos brasileiros, principalmente em Portugal e Reino Unido.
Esses profissionais não partem por falta de patriotismo ou amor pelo Brasil. Partem por necessidade, por busca de um ambiente onde possam desenvolver seu potencial plenamente, onde a burocracia não sufoque a inovação, onde investidores entendam o valor da disrupção e onde o Estado não seja um obstáculo intransponível ao crescimento.
Quando Luana Lopes Lara decidiu construir a Kalshi nos Estados Unidos e não no Brasil, o país perdeu muito mais do que uma cidadã talentosa. Perdeu os milhares de empregos diretos e indiretos que a empresa geraria ao crescer, os bilhões em impostos sobre uma empresa que hoje vale US$ 11 bilhões, o efeito multiplicador de uma empresa de sucesso que inspira e treina a próxima geração, a expertise técnica e regulatória desenvolvida em um setor de ponta e o prestígio internacional de ter uma unicórnio brasileira transformando um mercado global.
Mais doloroso ainda: Um levantamento do Santander apontou que um aumento de 50% no número de empresas do Brasil dentro de um ciclo de 5 anos poderia gerar 5 milhões de empregos diretos e indiretos. Cada Luana que perde representa não apenas um caso individual, mas milhares de oportunidades que nunca se materializarão.
O Brasil tem uma das culturas empreendedoras mais vibrantes do mundo. 46% dos brasileiros têm interesse em abrir seu próprio negócio e, em 2021, existiam 43 milhões de brasileiros liderando um empreendimento ou envolvidos na criação de um. A criatividade, resiliência e capacidade de adaptação do brasileiro são reconhecidas globalmente.
O problema não está no povo. Está no sistema.
96% dos empresários consideram que a carga tributária e a burocracia estão entre os principais fatores que travam o crescimento dos negócios em território nacional. Este número não deixa margem para dúvidas: o ambiente de negócios brasileiro é, fundamentalmente, hostil ao empreendedorismo.
A trajetória de Luana Lopes Lara não deveria ser celebrada apenas como uma vitória individual, mas lamentada como uma derrota coletiva do Brasil. Sua história expõe a cruel verdade: no Brasil, mesmo os mais talentosos, disciplinados e ambiciosos encontram um teto imposto não por suas capacidades, mas pelo ambiente sufocante em que operam. A diferença entre ter sucesso no Brasil ou nos Estados Unidos não é apenas uma questão de magnitude, é uma questão de possibilidade.
Enquanto o Brasil continuar priorizando burocracia sobre eficiência, arrecadação sobre crescimento, e controle sobre inovação, continuará perdendo suas Luanas. E com elas, perderá seu futuro.
A pergunta que fica é simples mas devastadora: quantas Luanas Lopes Laras o Brasil precisa perder antes de reconhecer que seu modelo está fundamentalmente quebrado?
O país não precisa apenas de reformas incrementais ou ajustes marginais. Precisa de uma transformação radical na forma como trata seus empreendedores. Precisa entender que cada startup que morre asfixiada pela burocracia, cada talento que emigra em busca de oportunidades, cada inovação que nunca acontece por falta de ambiente propício, representa um pedaço do futuro sendo perdido.
Luana conseguiu. Mas a que custo para o Brasil? E quantos outros talentos, sem a mesma combinação extraordinária de disciplina, formação de elite e oportunidade, jamais terão a chance de tentar?
A história de Luana Lopes Lara é inspiradora. Mas também é um alerta: enquanto o Brasil não criar um ambiente onde histórias assim possam acontecer em solo nacional, continuará sendo apenas um exportador de talentos, observando seus melhores e mais brilhantes construírem impérios em terras estrangeiras.
Sara Eduarda Almeida é Diretora Nacional de Comunicação da Juventude Livre, diretora Nacional de Movimento Estudantil do NOVO Jovem, embaixadora Estadual no Ceará do Students For Liberty Brasil, social Media do LOLA Brasil. Além de graduanda em Engenharia Mecânica pelo Instituto Federal do Ceará e graduanda em Publicidade e Propaganda pela Anhanguera.