Se na Antiga Grécia o Rei Leônidas e seus 300 guerreiros lutavam na batalha de Termópilas pela preservação e defesa de Esparta, a versão brasileira dos nossos 300 “guerreiros” é muito mais atrapalhada e embusteira. Recentemente, um grupo de 300 empresários posicionou-se a favor da criação de um tributo aos moldes da antiga CPMF para compensar eventual desoneração da folha de pagamentos. É certo que uma reforma tributária é música para os desesperados ouvidos tupiniquins, angustiados pela complexidade do nosso sistema de impostos. Mas amarre-se ao mastro desta nau, Ulisses, meu caro leitor: o canto da sereia pode ser fatal quando a proposta é mal feita.
É bem verdade, sim, que a folha salarial no Brasil tem tributos excessivamente pesados para a maioria das empresas. Aliviar o custo de contratações pode, no longo prazo, representar mais investimentos, mais empregos e maior renda para todos. E, obviamente, desonerar a folha implica em pensar alternativas para compensar esse corte na arrecadação: não podemos reduzir receitas sem antes reduzir despesas, ou sem indicar uma fonte de receita substituta, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal. Da desoneração em si até defender a volta de um tributo similar à CPMF há um grande abismo: taxar transações é um atraso institucional. E mais do que isso: é uma postura anticapitalista. Explico a seguir.
A ideia por trás da CPMF é taxar cada transação financeira com uma alíquota bem pequena. Essa miúda alíquota, por sua vez, reduziria o incentivo à sonegação fiscal. E, com muitas pessoas contribuindo em pequenos montantes, sem sonegação, conseguiríamos compensar a arrecadação original equivalente de alíquotas maiores. Devo aqui confessar ao leitor que já fui seduzido pela facilidade do raciocínio do “imposto único sobre transações” nos meus tempos de faculdade. Mas aprendi que para todo problema difícil e complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada, costumeiramente atrativa às almas mais desesperadas. O caso da CMPF é exemplo perfeito disso.
O capitalismo de livre mercado gera riquezas e prospera porque permite a especialização do trabalho. O exemplo de Milton Friedman é clássico para ilustrar: tente produzir um lápis sozinho e você levará anos até concluir uma unidade. Mas, permitindo trocas entre uma empresa especializada na extração do grafite, outra na extração de madeira, outra para produzir a borracha e outra para juntar tudo, conseguimos produzir em larga escala e baratear o produto para que todos possam consumir. Perceba, agora, caro leitor, como isso se repete com a maioria dos produtos que consumimos: um computador é fruto de milhares de empresas, cada qual produzindo aquilo no que se especializou, até que todos os componentes sejam agregados à mercadoria final.
Quanto mais empresas numa cadeia produtiva, a tendência é que cada empresa seja mais especializada em uma etapa específica da produção. E quanto maior a especialização, maior a produtividade, conforme nos ensinou Adam Smith. Compreender esse conceito é o elemento central para compreender como um tributo à la CPMF é anticapitalista. Imagine, pois, taxar cada transação dessa cadeia produtiva até o produto final: de grão em grão, a alíquota efetiva pode se tornar um verdadeiro Leviatã. Trata-se, afinal, de um tributo cumulativo. De certa forma, um computador terá mais impostos embutidos do que uma camiseta, simplesmente porque seu processo produtivo é mais complexo e exige maior especialização – e, dessa forma, será mais tributado por ter mais transações entre empresas intermediárias.
O tributo aos moldes da CPMF é o tributo anticapitalista por definição: penaliza a especialização do trabalho e, consequentemente, penaliza ganhos de produtividade. É o tributo que penaliza produtos complexos de alto valor agregado e beneficia cadeias simplórias, ou cadeias produtivas inteiramente internalizadas dentro de um só grupo econômico: é, portanto, o tributo que favorece a criação de monopólios em detrimento da livre concorrência.
Os conceitos econômicos detrás dessa aberração tributária, imagino eu, já devem ter ficado claros para o leitor. Pois é aqui que se inicia a aula de realpolitik de Brasil: pergunte-se sempre quem sai ganhando com isso. Nosso País, historicamente, molda suas instituições conforme o interesse daqueles mais próximos ao poder. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. É o tal corporativismo a todo vapor. E esse é só mais um exemplo clássico: com um tributo nos moldes da CMPF, os grandes grupos econômicos que internalizam todo seu processo produtivo são os maiores beneficiados. Se o grupo detém a produção, a industrialização, a distribuição e a comercialização debaixo de um só CNPJ, a alíquota efetiva sobre esse produto será mínima quando comparada ao empresário que depende de fornecedores externos, transportadoras e distribuidores até seu produto chegar na gôndola.
Sábio e eterno Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”. E, no Brasil, é uma obra profissional. Se nossos campos têm mais flores e nossos bosques têm mais vida, é o nosso debate público que tem o mais fértil dos solos para péssimas ideias florescerem e catastróficas políticas germinarem. Inevitável dizer que prefiro eu a história do Rei Leônidas e seus 300 de Esparta do que os nossos 300.