A Fundação Bienal de São Paulo deve comemorar, em 2012, a realização de sua 30.ª exposição internacional. Desde sua criação, em 1951, passou por períodos de altos e baixos. Por duas vezes deixou de organizar a exposição, reconhecida como umas das principais entre as grandes mostras internacionais de arte. Neste momento, questões administrativas e burocráticas – não de gestão – ameaçam a sua realização em setembro.
Como amplamente noticiado, em fins de 2011 o Ministério da Cultura (MinC) questionou a Fundação Bienal no tocante às prestações de contas de 13 convênios assinados no período 1999-2007. Apesar dos esclarecimentos, o MinC novamente incluiu a instituição no seu cadastro de inadimplentes no início de janeiro e bloqueou os recursos destinados à 30.ª Bienal. A fundação entrou imediatamente com ação judicial, com pedido de desbloqueio dos patrocínios captados via Lei Rouanet em 2010 e 2011. A liminar solicitada foi negada e a apelação até hoje não foi julgada.
O bloqueio das contas pegou de surpresa a atual diretoria, comandada com competência por Heitor Martins, que desde que assumiu tem procurado – com sucesso – resolver as pendências anteriores à sua gestão, devolvendo a Bienal aos seus bons tempos. Na prática, o que ocorre é que o bloqueio dos bens da fundação não permite a utilização dos recursos (R$ 12 milhões), captados recentemente via Lei Rouanet, para a realização da mostra deste ano. A imobilização desses bens, assim, torna inviável a captação de mais R$ 8 milhões já comprometidos por empresas, também via incentivo fiscal. Somente R$ 5 milhões estão livres, mas o valor é insuficiente para a realização da Bienal, orçada em pelo menos R$ 18 milhões.
A decisão do MinC de bloquear os bens da Fundação Bienal está repercutindo fortemente no meio artístico: curadores, galeristas e gestores culturais no Brasil e no exterior. Nossa Bienal, do porte da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel, desde sua fundação passou a fazer parte do calendário das artes internacionais. Exposições paralelas organizadas por galeristas brasileiros e museus, realizadas simultaneamente à mostra internacional, poderão ser canceladas. Se o impasse persistir, a própria existência da fundação está ameaçada, num momento justamente de maior projeção internacional do Brasil, o que poderá afetar nossas credibilidade e imagem no exterior.
O que acontece com a Bienal é mais um exemplo da falta de sensibilidade para com o interesse público e o real prejuízo que sua suspensão ou seu desaparecimento representariam para o Brasil. Não se trata de ignorar os erros do passado, mas de encontrar uma fórmula para separar o joio do trigo. É o que se tenta fazer agora para que a mostra possa tornar-se viável em setembro.
A divulgação da arte brasileira, cada vez mais conhecida e reconhecida internacionalmente, é em grande parte resultado de um trabalho eficiente dos agentes culturais e galeristas brasileiros, que vão sentir na pele as consequências de um eventual cancelamento da Bienal. Por outro lado, deveria ser de nosso interesse que a arte contemporânea se torne mais acessível ao grande público no País.
Como corretamente parece reconhecer o MinC, há interesse em que a Bienal de São Paulo seja realizada dentro do calendário previsto. Apesar dos entraves burocráticos, o MinC tem consciência de que sua realização é importante para o desenvolvimento e a projeção do Brasil lá fora, e que ela pode servir para ampliar as perspectivas de intercâmbio cultural com o exterior. Sabe ainda que a mostra tem o papel de proporcionar ao público brasileiro a possibilidade de conhecer diretamente o que de melhor está sendo produzido na arte contemporânea brasileira e internacional. Reconhece, igualmente, que o interesse do público brasileiro e estrangeiro (colecionadores, galeristas e críticos de arte) pela Bienal é crescente (cerca de 700 mil pessoas a visitaram na última edição) e que com isso o turismo cultural seria incentivado.
Com a realização no Brasil de eventos internacionais importantes, como a conferência Rio+20, pouco antes da Bienal, da Copa do Mundo e da Olimpíada, o cancelamento da mostra prejudicaria a percepção externa quanto à nossa capacidade de organizar eventos de grande porte. A repercussão no exterior do eventual cancelamento será maior ainda pela visibilidade que o Brasil hoje desfruta.
Situações excepcionais – como a que ocorre neste momento – devem justificar soluções diferenciadas, sempre respaldadas do ponto de vista legal, mas devidamente motivadas pelo claro interesse público.
Enquanto se busca uma solução definitiva para as questões financeiras pendentes, a Bienal, por meio de sua diretoria e membros de seu conselho, apresentou uma sugestão para, de imediato, solucionar o problema. Os projetos amparados pela Lei Rouanet seriam transferidos para um novo proponente, ou seja, uma nova instituição, que passaria a ser responsável pela realização do evento, como forma possível de tornar a mostra viável. A Pinacoteca do Estado, por exemplo, poderia gerenciar a execução da Bienal mediante um termo de ajustamento de conduta. Precedente existe e, segundo se sabe, o MinC estaria demonstrando boa vontade para encontrar uma fórmula que atenda a todas as partes envolvidas.
O mundo artístico e a sociedade em geral esperam que todos os interessados, Bienal, MinC, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal e Estadual se empenhem para chegar a um acordo.
A Bienal tem de ser vista sob uma dimensão mais ampla, e não como questão isolada. Sua suspensão, em decorrência da falta de sensibilidade oficial, seria uma perda irreparável para São Paulo e para o Brasil.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/02/2012
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