Autor Convidado: Davi Correia
Essa é uma tradução livre de um discurso do Thomas Sowell sobre a busca da esquerda pela justiça cósmica, como ele chama. Para resumir a busca pela justiça cósmica, três proposições que parecem axiomáticas precisam ser feitas. As implicações desses axiomas é que causam as discussões políticas mais acaloradas: 1. O impossível nunca será atingido; 2. É um desperdício muito grande de recursos tentar atingi-lo; 3. O custo absurdo e os perigos sociais nas tentativas de se obter o impossível devem ser levados em conta. Justiça cósmica é um dos sonhos impossíveis que tem um custo enorme e conseqüências que são potencialmente perigosas. Mas o que é justiça cósmica e qual sua diferença conceitual em relação à noção de justiça tradicional? Os conceitos tradicionais de justiça e imparcialidade se resumem em aplicar o mesmo conjunto de regras e padrões para todos. Os americanos chamam isso de level playing field. No entanto, as mesmas palavras têm significados completamente diferentes se alguém lança mão do conceito do que costumamos chamar de “justiça social”. Palavras como “imparcialidade”, “justiça” ou “desvantagem” têm significados completamente diferentes. Um exemplo brasileiro é a tentativa infeliz de compensarem negros através de cotas em universidades, copiada, com atraso, da frustrada tentativa americana. Para os defensores da justiça cósmica, não é imparcial um teste como um vestibular para se estabelecer quem entra na universidade. Thomas Sowell cita em seu discurso John Rawls, que afirma que igualdade “imparcial” é diferente de igualdade “formal”. Esse é o chavão mais comum entre os defensores da justiça cósmica. Para eles, justiça nunca será obtida pela aplicação pura e simples de regras iguais para todos, mas necessita de uma intervenção para se equalizar tanto as chances quanto os resultados. Nas palavras de Rawls, que qualquer defensor da justiça cósmica provavelmente concordaria, “diferenças de mérito devem ser compensadas”. Para a idéia ficar mais clara, imaginemos o Ronaldinho Gaúcho. Ele joga futebol de acordo com as regras que todos conhecemos e que são iguais para todos. Mas ele joga muito mais do que todo mundo. Os fatores que o levam a ser o craque que é, são inúmeros, mas ninguém está interessado nisso. Para os apreciadores da justiça cósmica, isso seria injusto. Deveríamos ter regras diferentes para o Ronaldinho Gaúcho, para que os outros possam jogar de igual para igual com ele. Que tal se ele só puder fazer gol com a perna esquerda? Com certeza iria diminuir a diferença entre ele e os demais jogadores. Mas seria justo? Supostamente, as desigualdades em todos os lugares são causadas pela “sociedade” e, portanto se faz necessária uma compensação, que se chama de justiça social. Nessa luta, em vez de um padrão de regras igual para todos, tenta-se compensar determinado grupo ou classe em nome da igualdade. Entre os defensores da justiça social há os que admitem que as desigualdades possam ser culturais, genéticas ou históricas. Mas eles não conseguem imaginar que não há compensação possível dentro da sociedade. O Oscar Schmidt nunca será um excelente jóquei e a Tati Quebra-Barraco nunca escreverá uma tese de doutorado. Professores universitários não entendem tanto de pesca da lagosta quanto os pescadores nas comunidades no Ceará. Estes por sua vez são ignorantes no quesito criação de gado quando comparados com vaqueiros de Minas Gerais e Bahia. Na verdade, os defensores da justiça social são até modestos. O que eles tentam corrigir não são apenas deficiências na sociedade, mas no cosmos. O que eles chamam de justiça social engloba muito mais do que qualquer sociedade pode ser responsável. O que eles de fato procuram é um universo feito de acordo com a visão deles. Daí o nome justiça cósmica. Como o Sowell ilustra com um exemplo pessoal, vou fazer o mesmo aqui. Uma das coisas que sou eternamente grato ao meu pai, é que no que diz respeito aos meus estudos ele nunca foi justo comigo. Quando estava no segundo grau, ele uma vez me disse que eu deveria saber mais que o professor se quisesse escolher o que fazer da vida, e não ser escolhido. Eu sempre estudava a matéria antes da aula. Certa vez o professor se complicou enquanto resolvia um problema no quadro-negro, um problema que eu já tinha resolvido. A turma começou a ficar dispersa e eu, claro, comecei a fazer bagunça, como sempre. O professor foi perdendo a paciência e me desafiou: “Davi, já que você está tão disperso, será que seria capaz de resolver esse problema?” “Claro,” respondi, “o senhor errou naquela passagem ali, dali pra frente está tudo errado.” Em outra ocasião eu tinha tirado a maior nota da turma, 92 em 100. A segunda maior foi 70. Cheguei todo feliz e serelepe para mostrar para o meu pai. A pergunta dele foi “Por que não tirou 100?” Desde então uso meus erros para aprender. Mas é justo exigir de um adolescente que ele saiba mais que um professor formado, levando em conta que esse adolescente estudava numa escola pública e greves eram comuns? É justo cobrar um desempenho ainda melhor de quem já está no topo? Não, não é. E daí? Ainda bem que não fui cobrado como se fosse vítima. Na mesma turma havia meninos que tinham maior facilidade que eu com as meninas e outros que eram muito melhores que eu no futebol. Para os defensores da justiça cósmica, a única forma de se obter justiça seria eu fazer uma prova diferente, o bonitão de olho azul ter sua cabeça raspada e o bom de bola jogar com suas pernas amarradas. Justiça cósmica! O argumento não é contra justiça ou igualdade reais. Ambos são desejáveis, assim como o é a imortalidade. O único argumento aqui é contra coisas que são impossíveis e os custos para se tentar isso não são pequenos. O passo seguinte dos apreciadores da justiça cósmica é a difamação. Todos que discordam da sua grande visão de mundo são colocados como tendo intenções malignas, quando não desvios de caráter. Eles são colocados como tendo alguma obsessão. No Brasil, isso é ainda mais claro do que nos EUA. É só observar como a direita é retratada e como a esquerda é retratada. Em resumo, demonização é um dos custos da busca por justiça cósmica. Mas as vítimas desse processo não se resumem aos que discordam desse ponto de vista. A sociedade como um todo perde quando decisões são tomadas através de demonização, ao invés de um debate racional e quando aqueles líderes em potencial se afastam do debate por não estarem disposto a expor sua reputação ou sua família à agressão dos politicamente corretos. Ironicamente, a busca pela justiça cósmica só pode ser promovida por uma desigualdade ainda maior no espectro político. Se as regras não produzem justiça cósmica, apenas o poder sobra para se obter os resultados procurados. Numa democracia, onde o poder precisa de apoio público, não apenas a lei precisa ser violada como também a verdade. No entanto, a nobre visão da justiça cósmica aceita ditaduras ou mentiras, se elas são as únicas formas de nos levar ao tão sagrado objetivo da justiça cósmica. O apoio de intelectuais e artistas a Fidel Castro ilustra o tamanho da distorção necessária para que a justiça cósmica seja obtida. Mentiras, ditaduras, miséria, nada disso pode atrapalhar o sonho da justiça cósmica. E o que é mais grave: apoiando tudo isso, os defensores dela ainda se colocam em um pedestal e se julgam melhores do que os que deles discordam, pelo simples fato de possuírem um sonho absolutamente irreal.
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