O governo precisa, com urgência, entender que as concessões ligadas a serviços de infraestrutura são públicas, e não políticas. Nossas autoridades governamentais não têm tido esse entendimento e, com isso, aumenta o risco regulatório, os melhores investidores privados são afastados e se perpetuam no País serviços de infraestrutura de baixa qualidade, comprometendo a competitividade dos produtos brasileiros e penalizando toda a sociedade.
Os exemplos estão presentes nos diferentes setores da infraestrutura e isso é muito grave no momento em que o governo anuncia pacotes para concessão de ferrovias, rodovias e aeroportos e quando o País está diante de dois grandes eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada.
No setor de petróleo, depois do anúncio da descoberta do pré-sal, o governo resolveu que o modelo de concessão não atendia mais à nova realidade do setor. Diante disso, em 2010, o Congresso Nacional aprovou o modelo de partilha e o setor de petróleo passou, então, a conviver com dois modelos jurídicos. O problema é que a verdadeira razão de implantar o modelo de partilha não foi pelo critério técnico, e, sim, pelo político.
O modelo da concessão cumpriu o seu papel, atraindo um grande número de empresas privadas para os leilões de blocos de petróleo, e tinha totais condições de atender ao pré-sal. Na realidade, o pré-sal constituiu-se no elemento de que o governo precisava para fechar o mercado brasileiro, voltando a se utilizar da bandeira O Petróleo é Nosso e, com isso, politizando as decisões do setor.
Desde o anúncio da descoberta do pré-sal não se realizam leilões de petróleo no Brasil e a Petrobrás passou a ter um tratamento privilegiado, tendo 30% do “capex” (investimento) de todos os campos que vierem a ser leiloados no modelo da partilha e o monopólio na operação desses campos. Com isso, o Brasil deixou de ser uma rota dos grandes investimentos das principais empresas petrolíferas do mundo. Em 2012, as chamadas empresas majors do petróleo (ExxonMobil, Shell, Chevron, BP, Total e Conoco) deverão investir algo em torno de US$ 100 bilhões, e quase nada desse valor no mercado brasileiro.
O pré-sal, que poderia ter colocado o País na posição de grande receptor de investimentos da indústria do petróleo, gerando empregos, beneficiando a indústria local e a própria Petrobrás, até agora foi muito mais uma maldição do que uma benesse, em particular para a Petrobrás.
No setor de energia elétrica, a Medida Provisória (MP) 579 pode ser considerada a terceira mudança no marco regulatório do setor elétrico desde 1995, o que, por si só, já introduz um elevado nível de incertezas para os agentes do setor. A medida, anunciada de forma autoritária e unilateral, condicionou a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia ao aceite de condições impostas pelo Ministério de Minas e Energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sem que houvesse qualquer tipo de discussão prévia. Com isso, foram definidas tarifas e indenizações por ativos amortizados muito aquém do esperado pelo mercado, causando enormes perdas nos valores das empresas e proporcionando grandes prejuízos aos acionistas. Antes mesmo que o Congresso decida se vai promover alguma alteração na MP 579, o governo quer que as empresas se manifestem se vão ou não aderir à sua proposta.
Esse açodamento do governo, aliado ao fato de que aceitar a proposta de antecipar a concessão de 2015 para 2013 significará enormes perdas para os acionistas, está fazendo com que a maioria das empresas não concorde com a renovação, em mais uma demonstração de que os critérios utilizados não foram razoáveis. A forma atabalhoada da condução do processo poderá levar a inúmeras disputas judiciais, uma vez que, além da insatisfação com as indenizações e tarifas, algumas empresas, como a Cemig, alegam que têm usinas que teriam direito a mais uma renovação.
Os desmandos do governo federal tanto no setor de petróleo quanto no setor elétrico mostram que nossas autoridades governamentais não entendem, ou não querem entender, que a concessão é pública, e não política. Não por coincidência, as mudanças no marco regulatório do setor de petróleo e do setor elétrico foram anunciadas em anos eleitorais, às vésperas do pleito. Esse tipo de postura do governo acaba sendo interpretado pelo mercado e pelos investidores como uma volta a um modelo mais estatizante, remetendo a comparações com o que atualmente ocorre na Argentina.
Ao logo da década de 1990, o Brasil foi muitas vezes comparado à Argentina. Havia o chamado “efeito Orloff”, baseado na propaganda de uma bebida que dizia “eu sou você amanhã”, ou seja, o Brasil acabava por trilhar os caminhos da Argentina. O “efeito Orloff” desapareceu, uma vez que o Brasil passou a ter uma política econômica que ganhou a confiabilidade dos investidores, oferecendo estabilidade jurídica, regulatória e respeitando as regras de mercado. Se começarmos a abrir mão do tripé segurança jurídica, estabilidade regulatória e respeito às regras de mercado, corremos o risco de voltarmos a ser a Argentina amanhã.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/11/2012
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