Embora tenha finalmente reajustado os preços dos combustíveis, o governo ainda resiste a adotar uma regra que relacione preços domésticos aos externos, usando, para isso, dois argumentos, como de hábito, equivocados.
Afirma, primeiro, que não poderia “indexar” a gasolina num momento em que supostamente luta contra a indexação. Adicionalmente argumenta que trabalhadores ganham em reais, não em dólares, não sendo, portanto, justo que tenham que arcar com o preço internacional do combustível.
O primeiro argumento é risível. A começar porque ligar o preço doméstico da gasolina à sua contrapartida internacional não guarda nenhuma relação com indexação. Esta consiste em reajustar automaticamente preços (ou salários) de acordo com a inflação passada, como ocorre com os aluguéis ou as mensalidades escolares.
No caso da gasolina, seu preço lá fora pode aumentar ou diminuir, assim como o preço do dólar (a taxa de câmbio) pode subir ou descer. Nada sugere que preços internacionais de gasolina se guiem pela inflação (americana?) passada, nem que a taxa de câmbio passe por qualquer processo semelhante.
Diga-se, aliás, que –se isso fosse mesmo um problema de indexação– o governo teria também problemas com os preços da carne, da soja, do aço, das TVs, dos automóveis ou de qualquer outra mercadoria que fosse comercializada no mercado externo, pois seu preço doméstico, ao menos numa primeira aproximação, não pode se distanciar muito do preço internacional (mais eventuais custos de transporte e impostos), devidamente convertido em moeda nacional.
Na verdade, os preços desses bens (denominados “comercializáveis”, pois podem ser internacionalmente transacionados) não são indexados e até há pouco cresciam menos do que o IPCA, na práti- ca contribuindo para reduzir a inflação.
(A propósito, se o governo quisesse mesmo combater a indexação, deveria trazer a inflação mais rapidamente em direção à meta. É a própria lentidão –quando não recusa– do BC em desempenhar seu papel que induz empresas e trabalhadores a reajustar preços e salários de acordo com a inflação passada.)
Já o segundo argumento consegue a proeza de ser ainda pior. A própria existência de bens comercializáveis mostra ser possível (na verdade comum) que preços de coisas tão essenciais como alimentos estejam, de alguma forma, ligados aos praticados no mercado internacional, muito embora consumidores, como regra, tenham sua renda denominada em reais.
Mais importante que isso, porém, é que a quebra da ligação entre os preços externos e internos causa problemas sérios do ponto de vis- ta de eficiência, pois introduz ruídos no sistema de comunicação da economia.
Na prática, o aumento do preço de um bem qualquer envia dois sinais: consumam menos e produzam mais. São esses sinais que garantem que a economia produza aquilo que se queira consumir. Quando esse sinal não funciona, no caso por interferência do governo, o consumo não cai e a produção não aumenta, perenizando o desequilíbrio.
No caso específico dos combustíveis, isso implica também importações maiores, agravando o deficit externo, assim como impactos negativos no caixa da Petrobras, já que a empresa é forçada a vender produtos a preços inferiores aos que pagou por eles.
Pensando bem, é difícil imaginar uma política de preços mais errada do que a atualmente em vigor, e isso num momento em que não faltam políticas equivocadas.
E a verdadeira justificativa não é nenhuma das apresentadas acima, mas sim a perda de controle do processo inflacionário, que leva o governo a agir diretamente sobre preços para não perder a meta de inflação. O que começou como desleixo com relação à estabilidade agora cobra seu preço na forma de políticas que ampliam os desequilíbrios.
Estabilidade não garante crescimento, mas sua ausência é certe- za de desempenho pífio e nossa experiência recente comprova exatamente isso.
Fonte: Folha de S. Paulo, 04/12/2013
excelente artigo. schwarstman sempre asclarecido.