Sob pressão para apresentar um programa crível de redução de seu déficit, o governo grego está propondo, entre outras maldades: aumentar a idade mínima de aposentadoria, uma elevação imediata dos impostos sobre combustíveis e o congelamento dos salários do funcionalismo. Para tentar conter a ira popular, promete cortar os vencimentos de governantes e dirigentes de estatais.
Governos de Espanha e Portugal lidam com o mesmo dilema. É preciso cortar gastos e aumentar impostos, pois déficits e dívidas públicas passaram dos limites, mas isso se opõe a compromissos e ideologias.
Eis o ponto: a conta chegou mais cedo do que se esperava. Na verdade, lá na Europa, como aqui, muita gente acreditava ter eliminado esse tipo de conta. O gasto público parecia ter se tornado o principal motor da economia. Assim, quem se preocuparia com essas coisas tão aborrecidas quanto austeridade e equilíbrio fiscal? Desgraçadamente, porém, mais uma vez se verificou que dinheiro não sai do nada. É preciso financiar o déficit e amortizar a dívida. Podese, é claro, antes de aplicar as maldades, tomar dinheiro emprestado no mercado internacional (aquele mesmo que causou a confusão em 2008). O mercado exige juros proporcionais à confiança que deposita na capacidade e na disposição do governo de pagar suas contas.
Hoje, por exemplo, o governo grego paga juros bem maiores que o governo brasileiro. Ou seja, o mercado confia no presidente Lula.
É fato. Cuidado, porém, com as conclusões.
Na gestão da crise, aproveitando o embalo internacional, o governo Lula aumentou ainda mais os gastos e a intervenção do Estado na economia. As contas pioraram, a dívida aumentou. Se ainda assim o mercado continua financiando o Brasil e se o presidente ganha prêmios no exterior, isso prova uma mudança de paradigma, certo? Errado.
Na prática, o pessoal do mercado financeiro se preocupa pouco com essas políticas. Quer é receber o seu em dia. Empresta dinheiro quando acredita que o devedor tem condições de pagar. Não importa, por exemplo, se o governo obtém o dinheiro aumentando o imposto da gasolina ou demitindo funcionários ou cortando aposentadorias.
Nem se é um governo de direita ou esquerda. Claro que um regime democrático, no império da lei e dos contratos, é um fator essencial para atrair investimentos.
Mas, digamos, o mercado cobra juros enormes de Chávez não por causa do socialismo bolivariano, mas porque ele conseguiu a proeza de quebrar um país que ganhou rios de dinheiro com o petróleo.
Tudo considerado, a confiança no governo Lula se baseia na crença generalizada, aqui e lá fora, de que as contas públicas serão reorganizadas neste ano, que a dívida voltará a cair, que a inflação ficará na meta e a estabilidade será preservada.
Não se pode concluir simplesmente que o mundo autorizou os governos a gastarem mais. Olhem para Grécia, Espanha e Portugal.
Mesmo estando dentro da Europa, se beneficiando da credibilidade do euro, precisam recorrer às maldades de urgência para acertar contas.
Não é, pois, questão de o governo gastar mais ou menos, mas de manter suas finanças equilibradas.
Os acontecimentos europeus de hoje reforçam a lição de que um equilíbrio permanente acaba sendo menos custoso.
Em resumo, é um erro, sim, o festival de aumento de gastos públicos que continua em andamento por aqui. Estão abusando da confiança.
Estão esquecendo de uma lição que não é nem econômica, mas humana: perde-se a confiança num gesto. E o mercado vota todo dia útil. Os juros sobem em
instantes.
E sabem de mais outra coisa? É uma lástima que ainda se discuta esse tipo de coisa. É um atraso para o país. Basta sair da teoria e cair na prática para se perder o efeito negativo. Por exemplo: enquanto se discute se aeroportos devem ser públicos e privados, continuamos todos amontoados nas filas e atrasados.
Fonte: O Globo – 11/02/2010
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