O assunto água e energia cada vez frequentam mais a nossa mídia e a mundial. A pior crise hídrica em 90 anos no Brasil trazendo a possibilidade de falta de energia, junto com as questões climáticas obriga-nos a discutir com muito cuidado e atenção esses dois temas. Não somente com um olhar sobre o Brasil e sim, também, para o mundo. Tanto o acesso a água como a energia serão cada vez mais necessário para dar qualidade e dignidade de vida para as pessoas. Com isso, a tendência é que a oferta da água e da energia cresçam numa velocidade inferior a demanda. Portanto, para manter o equilíbrio entre oferta e demanda será cada mais necessário racionalizar o uso tanto da água como da energia, entendendo que os preços devem ser crescentes.
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No Brasil a água e a energia se confundem. Isso porque a nossa geração de energia tem na água a sua principal fonte. A protagonista das três crises de energia elétrica nos últimos 20 anos (2001/2002, 2014/2015 e agora 2021/2022) tem sido a água, ou melhor a falta de água que é responsável, ainda hoje, por 70% da nossa geração de energia. E como a água no Brasil cada vez terá mais uso múltiplo, é preciso encontrar, ou melhor, propor uma política pública que leve isso em consideração. Hoje o agronegócio que tem sido o principal setor da nossa economia precisa cada vez mais de água e energia para irrigação. Não podemos abrir mão da navegação nas hidrovias, nem tão pouco para atender atividades de turismo. Isso, sem falar no saneamento cujo um dos desafios maiores é a captação de água.
Dentro desse contexto, a discussão central que deveríamos travar e já passamos da hora, é a valoração da água. No Brasil sempre tivemos um olhar de que água seria uma dádiva de Deus e por isso seu custo seria zero. Portanto, gerar energia com água é forma mais barata. Esse olhar sobre a água nos leva aquele conceito de que países que são presenteados com muitos recursos naturais acabam por sofrer uma maldição. Esse conceito é muito usado em relação aos recursos naturais. A ¨Maldição dos Recursos Naturais¨ é um termo utilizado para mostrar que países ricos em recursos naturais crescem menos, pois essa fonte de riqueza tende a gerar desperdícios em meio a corrupção e a entraves burocráticos. Gastos correntes crescem em detrimento de ações na infraestrutura e no fortalecimento institucional. Isso acaba beneficiando grupos influentes e desorganiza a economia. No final do dia são sociedades predadoras de recursos naturais. Só sabem colher, não sabem plantar. E é dessa forma que estamos nos comportando na utilização das nossas bacias hidrográficas faz bastante tempo.
A água devido a seu uso múltiplo não é e nem será mais a fonte mais barata para gerar energia elétrica no Brasil. Precisamos garantir um nível mínimo de armazenamento nos reservatórios, e deslocar o uso do potencial de geração hidráulica para garantir as vazões mínimas, a sazonalização da oferta de energia para as demais renováveis e atendimento da ponta do sistema elétrico. Térmicas a gás natural com 70% de inflexibilidade, bem como nucleares passariam a ser parte da geração prioritária de base, sendo complementada por geração hidráulica de vazão mínima, eólica, solar, hidráulica a fio de água e por novas fontes como o biogás.
Precisamos parar de adotar soluções de países ricos, que tem uma realidade energética diferente da nossa. Precisamos construir um projeto brasileiro para o setor de energia. Olhando para as nossas vantagens comparativas e a realidade da nossa sociedade. A Califórnia não é aqui. Portanto, diante dessa situação de mais uma crise, onde a protagonista é mais uma vez a água a prioridade deveria ser construir uma matriz elétrica mais equilibrada, mais confiável e menos refém do clima, aproveitando a diversidade das nossas fontes primárias de energia. Precisamos, também, da mesma forma que foi feito com o gás natural e com o saneamento discutir no Congresso um Marco Regulatório para a água no Brasil. No processo de transição energética o desafio é aumentar a oferta de energia. Aí sim enfrentaremos o real problema de frente com soluções próprias, resolvendo a questão central do uso múltiplo da água e afastando de vez os pesadelos de novos apagões e racionamentos.
Fonte: “Poder 360”, 10/07/2021
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