Recentemente, Juan Luis Cebrián, fundador do “El País”, foi entrevistado por Laura Greenhalgh, editora-executiva do jornal “O Estado de S. Paulo”. A entrevista, saborosa e inteligente, foi uma sincera reflexão sobre avanços e recuos do nosso ofício. A crise que fustiga nossa atividade é flagrada na radiografia do escritor. Está em jogo o modo de fazer jornalismo. Cebrián intui a gravidade do momento. “A internet é um fenômeno de desintermediação”, diz ele. “E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado?” Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade ou seremos descartados por um leitorado cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
A recente enxurrada de matérias sobre abuso sexual na Igreja é um bom exemplo desses desvios. Setores da mídia definiram os abusos com uma expressão claramente equivocada: “pedofilia epidêmica.” O exame sereno mostraria, acima de qualquer dúvida, que o número de delitos ocorridos é muito menor entre padres católicos do que em qualquer outra comunidade.
Em artigo recente, o sociólogo italiano Massimo Introvigne mostrou que, em várias décadas, apenas cem sacerdotes foram denunciados na Itália, enquanto seis mil professores sofriam condenação pelo mesmo delito. Na Alemanha, desde 1995, existiram 210 mil denúncias de abusos.
Dessas 210 mil, 300 estavam ligadas ao clero, menos de 0,2%. Por que só nos ocupamos das 300 denúncias contra a Igreja? Trata-se, como já afirmei, de um escândalo seletivo.
Recentemente repercutimos, sem qualquer análise crítica, declarações de um representante da “Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII”, sediada na Espanha.
Pedia-se, num gesto carregado de ridículo, a demissão de Bento XVI. Ninguém, no entanto, perguntou o óbvio: quem são os teólogos que integram essa entidade? Tratase de uma ONG com credibilidade pública comprovada? Um mínimo de apuração mostraria que se trata de um entidade de dissidentes, sem qualquer expressão.
A Igreja, com sua história bimilenar e precedentes de crises muito piores, é um mistério. Mas, obviamente, não é um assunto para ser tocado com amadorismo ou engajamento.
A má qualidade da cobertura da pedofilia na Igreja é a ponta do iceberg de algo mais grave. Não existe crise da mídia impressa.
Existe, sim, uma grave crise no modo de fazer jornalismo. Reproduzimos, frequentemente, o politicamente correto.
Não apuramos. Não confrontamos informações de impacto com fontes independentes.
Ficamos reféns de grupos que pretendem controlar a agenda pública. Mas o jornalismo de qualidade não pode ficar refém de ninguém: nem da Igreja, nem dos políticos, nem do movimento gay, nem dos ambientalistas, nem dos governos.
Devemos, sim, ficar reféns da verdade.
Fonte: Jornal “O Globo” – 03/05/2010
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