Estamos a viver um tempo de dúvidas e incertezas; o imponderável parece ser um dos traços marcantes dos dias atuais. O fato é que a crise americana de 2008 encerrou um ciclo de crescimento e prosperidade de quase uma década; foi um tempo de ouro; as economias como um todo avançaram, surfando na gorda onda de crédito e confiança. Os surfistas antenados saíram antes do estouro e remaram para terra firme; os desavisados e neófitos tomaram a espuma na cabeça e estão, até agora, a buscar ar no revolto do mar. Enfim, os ciclos econômicos são ondas que, quanto mais avançam, mais repuxo entornam. A questão, portanto, está em antever o equilíbrio, não se vender aos apelos da ganância e se mover rápido quando o castelo de cartas começa a ruir. Simples no papel, difícil na realidade…
Bem, e o mundo? Entrará em recessão ou voltaremos a surfar em um mar de euforia? Só profetas são capazes de fazer previsões, cabendo à razão pensante o papel de elaborar análises. Nesse contexto, é possível afirmar que o início de tudo foi o fim do padrão ouro; com independência do dinheiro-papel, foi possível desenvolver instrumentos de créditos desapegados do lastro dourado; dessa forma, a alavancagem financeira produziu uma explosão creditícia que levou o mundo a um inimaginável desenvolvimento material, científico, tecnológico e também social. Sim, não existe melhoria de vida sem crédito. Ou será que a China passou a alimentar e dar dignidade a milhões de chineses por obra divina? O famigerado Bolsa Família será também obra do Messias? Ou tudo não será obra de um amplo processo de expansão creditícia?
Pois bem, agora está chegada a hora de corrigir os excessos e alguns desatinos. O FED já fez sua parte, garantindo a liquidez do sistema bancário americano. Está certo que o aspecto moral segue em aberto. Afinal, não é crível nem aceitável que lunáticos que quase levaram o mundo à bancarrota saiam livres, leves e soltos. O problema de tudo é que ciranda financeira servia claramente aos interesses de uma sociedade de consumo doentio que, durante 10 anos não poupou um centavo, e ainda se esbaldou em empréstimos bancários que hoje comprometem parte substancial da renda familiar. Com a crise, veio o desemprego, a queda da renda e a paralisia do circuito comercial. Quem tem dinheiro não gasta, pois não sabe onde o mundo vai parar. E o governo americano não pode investir em gasto público produtivo, pois o déficit já está nas alturas. O problema, portanto, no caso americano, aparentemente deixou de ser exclusivamente financeiro e se transformou em uma paralisia da economia real. O presidente Obama, todavia, está imobilizado por uma oposição republicana que apenas pensa em si e esquece de pensar na nação. Pelo visto, o tradicional imediatismo político brasileiro, fruto do parasitismo partidário e de homens públicos sem brio ou prumo, começa a fazer escola em outros pagos, antes tidos e havidos por modelares.
Já no Velho Mundo, o BCE anda inerte; de duas, uma: ou a autoridade monetária europeia vem e injeta os euros necessários à solvência soberana e privada, ou veremos uma quebradeira generalizada dos PIGS. Na verdade, a Alemanha terá que decidir se vai ou não segurar essa bronca, cabendo à classe política alemã arcar com o custo interno dessa decisão. Ao fim e ao cabo, os germanos não têm saída: serão eles que suportarão os prejuízos independentemente do caminho a ser escolhido. Mas é bom lembrar que a exuberância irracional dos recentes anos dourados foi amplamente vantajosa para o norte rico europeu; está certo que os irmãos pobres do sul não fizeram sua parte no quesito austeridade orçamentária e, por assim ser, merecem um puxão de orelhas. No entanto, o menos doloroso será a continuidade da comunidade europeia com pautas de convergência fiscal; eventual default será o estopim de novo risco sistêmico, volatilidade nos mercados e salve-se quem puder.
Ainda, e não menos importante, o bloco europeu terá que debater o alto custo de pautas sociais que são ótimas no papel, mas que podem ser trágicas na realidade da política econômica. O fato é que o mundo mudou rápido e radicalmente; a longevidade atingida força uma correlata extensão da vida útil laboral com um consequente incremento do período contributivo; o que adianta protestar contra o aumento da idade mínima de aposentadoria, se o governo não terá dinheiro para pagar os benefícios? Qual a valia de um direito social perante um Estado insolvente? Será que, ao invés do protesto cego, não devemos abrir os olhos para a realidade pulsante que nos toca?
Enfim, no atual momento, a crise, mais do que financeira, é política. E por quê? Ora, porque nos faltam lideranças e estadistas capazes de superar diferenças e construir consensos. Vivemos um preocupante processo de aviltamento da arte política para um calculado jogo de poder. Ocorre que, quando o poder passa a ser um jogo, a política vira um cassino de interesses imediatistas. Para piorar, os governos estão sendo absolutamente falhos e defectivos na tarefa de dialogar com o povo. Medidas drásticas estão sendo impostas de forma vertical, de cima para baixo, como se o poder fosse majestático e autoritário. Esse tempo terminou; a política, que se quer democrática, deve ter na eficiência comunicativa uma ferramenta de persuasão. O povo tem o direito de entender o que está acontecendo; se quisermos quebrar paradigmas, teremos que ser extremamente hábeis na tarefa de comunicação com as massas. Aliás, a história recente do Brasil está a mostrar o exemplo de um político que, antes de ser intelectualmente brilhante, era um “expert” do diálogo popular. Para a intranquilidade dos espíritos elevados, a decrepitude política instalada entre as nações pode ser tudo, menos alvissareira.
O preocupante é que o ruim pode ficar ainda pior. O horizonte é crítico; a paisagem é fria. Quando chegará o fim desse inverno?
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