O Millenium Fiscaliza segue abordando a delicada situação dos estados. Após analisar as crises vividas por Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Alagoas e Mato Grosso do Sul, vamos analisar a situação de Goiás, que também é preocupante e já traz consequências na ponta, para o cidadão, comprometendo a prestação de serviços básicos essenciais.
Olha só como a situação é dramática: o resultado fiscal do estado tem sido negativo pelo menos desde 2015. Naquele ano, o déficit foi de R$ 1,9 bilhão; em 2016, de R$ 1,3 bilhão; e em 2017, R$ 503 milhões. Quer ter mais uma ideia de como a situação está completamente desequilibrada, caro leitor? Em 2019, a folha salarial alcançou R$ 18 bilhões, e o Estado arrecadou insuficientes R$ 12 bilhões para pagar essa conta. Com as receitas crescendo em uma escala muito menor que as despesas e atraso nos salários dos servidores, o governo estadual precisou puxar o freio de mão, com uma medida drástica em janeiro do ano passado: declarar estado de calamidade financeira. O objetivo foi alertar a população, servidores e fornecedores sobre as dificuldades enfrentadas. Isso gerou uma série de medidas de austeridade, que ocasionaram desde o corte de gastos com alugueis até mesmo o fechamento de escolas.
Mas como Goiás chegou a este ponto? Bem, uma das principais razões para o estado ter entrado neste atoleiro foi a dívida acumulada ao longo dos anos, que atinge, atualmente, o valor de R$ 19 bilhões. É uma situação parecida com a que você já viu em outras unidades da federação: a sufocante política monetária adotada pelo Banco Central, ainda nos anos 1990, para a renegociação das dívidas com a União. Para que você tenha uma ideia, as taxas de juros, a pretexto de controlar a inflação, chegavam a 50%. Veja como esse valor cresceu no caso de Goiás. Originalmente, a dívida era de R$ 1,17 bilhão. Ela foi refinanciada para R$ 1,77 bilhão, após os passivos do Banco do Estado de Goiás (BEG) terem sido incorporados na dívida pública.
Além disso, o estado ficou responsável por destinar 15% do máximo da Receita Corrente Líquida (RCL) para o pagamento da dívida financiada, impedindo o pagamento de todo o montante dos juros nominais. Resultado: a dívida inicial era de R$ 1,7 bilhão e Goiás pagou R$ 5,5 bilhões, mas o valor final acabou em R$ 9 bilhões. O impacto dos juros foi de absurdos 1379% (não, não foi erro de digitação), em um período onde a inflação foi de 237% – ou seja, os goianos pagaram quase seis vezes o valor da dívida. Quer dizer: pagar várias vezes o valor financiado, vender o banco estadual, privatizar empresas públicas… Tudo isso serviu apenas para enxugar gelo. É claro que esse cenário causou impacto direto na vida do cidadão, seja no funcionamento das escolas, das unidades de saúde e na manutenção das rodovias. E você acha que acabou? Não: o estado ainda acumulou perdas por conta da Lei Kandir, que isentou o ICMS sobre o setor primário-exportador – a principal atividade econômica de Goiás.
Essa grave situação fiscal também causa prejuízo ao contribuinte goiano ao inviabilizar investimentos: o Governo do Estado perdeu completamente a capacidade para contrair operações de crédito, bem como para conseguir condições especiais para pagar a dívida. É uma questão matemática: 99% da capacidade de endividamento estão comprometidos, sobrando 1% de capacidade para pedir empréstimos.
Mas, se por um lado, a questão é catastrófica; por outro, ainda há muito o que ser esclarecido. Veja quantas questões nebulosas envolvem a negociação dessa dívida: para começar, o valor foi definido sem acesso à dívida anterior e à natureza do passivo do banco estatal, que entrou na conta da dívida pública. Também há vários pontos que são discutíveis: a União pesou a mão na exigência de garantias; há um desequilíbrio grande entre as partes (os estados foram impedidos de acessar créditos com entidades federais, sendo forçados às condições da lei que regula as renegociações); e se desconsiderou o baixo valor de mercado dos títulos estaduais, bem como a co-responsabilidade da União no crescimento da dívida dos estados antes da negociação.
Para que a situação não se deteriore ainda mais, algumas medidas estão sendo tomadas. O governador Ronaldo Caiado (DEM) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que prorrogue a liminar que suspende o pagamento das dívidas do estado. De acordo com o Governo, a ampliação do prazo é necessária para Goiás entrar no Regime de Recuperação Fiscal – que vale por três anos, podendo ser prorrogados por mais três – e já foi adotado pelo Rio de Janeiro e pelo Rio Grande do Sul. Com o ingresso no RRF, Goiás poderia ganhar uma redução no pagamento das dívidas, em troca da adoção de medidas de ajuste como proibição de novas contratações e reajustes salariais, além da redução da máquina pública.
Mas o ideal mesmo seria a realização de uma auditoria, que poderia recalcular a dívida desde a origem, com juros simples, para que o estado não caia em uma nova modalidade de geração de dívidas, a Securitização de Créditos Públicos – que já havia sido questionada pelo próprio governador Caiado, quando era senador, em 2016.
A auditoria poderia esclarecer também outra questão, que é com relação à correção dos juros cobrados pela União. A Auditoria Cidadã da Dívida já apurou, em outros estados, um erro de cálculo dos juros cobrados. Foram aplicados cumulativamente 0,5% a cada mês. Com isso, a taxa não foi de 6%, conforme autorizado, mas de 6,17%, onerando as unidades da federação.
💡 Dica do Imil
O contribuinte goiano deve cobrar os seus deputados sobre essa situação em que o estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos eles prezar pela sustentabilidade das contas públicas. Não deixe de entrar em contato com o seu deputado (no site da Assembleia Legislativa) para exigir as medidas cabíveis nessa situação.