Vivemos tempos extraordinários. Tenho insistido nas dimensões épicas desta crise mundial. As crises bancárias, o colapso do crédito, a quebradeira no setor imobiliário, a bancarrota de governos nacionais e a falência das redes de assistência social são sintomas dos excessos cometidos tanto por financistas anglo-saxões quanto por social-democratas europeus. Estão sob ameaça o regime de moeda fiduciária e as redes de solidariedade social, importantes instituições da civilização ocidental.
Esse capital institucional foi construído ao longo da história evolucionária do Ocidente. Foram séculos de tentativas e erros em contínuo aperfeiçoamento das instituições sociais, em busca de melhor ordenação política e econômica de grupos humanos cada vez maiores. A democracia representativa, o Estado de Direito, a imprensa livre, as economias de mercado, a confiança pública em moedas sem lastro material e as redes de solidariedade social tornaram-se os pilares da grande síntese ocidental.
Agora, os dois lados do Atlântico assistem com apreensão e desencanto, em meio aos estilhaços da crise, ao embaraçoso desempenho das modernas democracias liberais. Os chefes de Estado estão atordoados. Há sinais de decadência em toda parte. Foram décadas de abusos. Chegou a hora de pagar a conta.
Os americanos abusaram do poder de emitir a moeda reserva da economia mundial. E prosseguirão abusando enquanto os bancos centrais de todo o mundo continuarem absorvendo essas emissões para impedir a valorização de suas próprias moedas contra o dólar. Os americanos simplesmente fogem da verdade – sua perspectiva de declínio anunciada no crash de 2000-2001 e confirmada pelo crash de 2007-2008 – inflando e reinflando preços de ativos em bolhas sucessivas até a explosão final.
Já os europeus abusaram das promessas feitas por governos nacionais em nome de seus contribuintes. Empreguismo, corporativismo, inchaço do setor público, benefícios e aposentadorias irrealistas engordam sem limites os orçamentos públicos sob o embalo da utopia social-democrata. Encontram-se agora trancados na jaula do euro, em que entraram por ambições geopolíticas de confronto com os americanos, uma sala de espelhos da qual não conseguem escapar. Há mesmo uma enorme controvérsia a respeito do futuro do euro. Haverá sempre quem queira quebrar os espelhos para que não se desmoralizem governos nacionais ameaçados de insolvência. Quem suportaria tanta verdade?
Bilhões de asiáticos cada vez mais qualificados e sem encargos sociais desafiam o Ocidente.
Os gregos descobriram que nem os deuses do Olimpo podem mais garantir o paraíso social-democrata na Terra. Sonegação desenfreada de impostos e aposentadorias dionisíacas são incompatíveis. Os irlandeses se disfarçaram de europeus continentais para se endividar em euros a juros baixos. Mas depois se lançaram à especulação desenfreada como legítimos anglo-saxões. A Espanha revelou-se um monstro de duas caras, metade atolada na farra do crédito para especulação imobiliária, enquanto a outra metade, embriagada pelo socialismo, afundava no pântano dos orçamentos públicos estourados. A moeda única desagrada até mesmo aos alemães, seus maiores beneficiários pelo estímulo a sua engrenagem extraordinariamente produtiva.
Os excessos dos financistas descredenciaram a livre-iniciativa para uma parcela da opinião pública mundial, e a irresponsabilidade dos políticos social-democratas desacreditou, para boa parte da população europeia, seus governos nacionais. Estamos diante de um novo fenômeno estrutural: o relativo declínio do Ocidente por seus próprios excessos. Os ocidentais terão de se ajustar a uma nova realidade, o desafio da competição com 3,5 bilhões de trabalhadores das economias emergentes eurasianas. Mão de obra cada vez mais qualificada, sem encargos sociais e trabalhistas, sem benefícios previdenciários, que se tornou um desafio existencial aos abusos cometidos pela civilização ocidental. O mundo não será o mesmo depois da crise. Essa é a única certeza.
Publicado na revista “Época”
Paulo Guedes supera e eleva o pífio zenith da economia. Deve ser considerado herege por seus pares, com certeza. O declíneo do ocidente foi anunciado há século. Para não ruir de uma vez a Babel greco-romana, dobraram-se as receitas de Platão. O XX impregnou extrapolada a torpeza dialética em todo tecido social e profissional, através de expedientes jurídicos, políticos, econômicos e tecnológicos. Em 68 o mundo exigiu imaginação ao poder. Desde então, as guerras arrefeceram, e as formas mais estapafúrdias de tosquear o rebanho ocuparam seu lugar, sem requerer contingentes. A democracia não difere do fascismo e do comunismo. Qualquer um que tenha poder sobre o semelhante, legitimado, à força, ou por vigarice, age totalmente desconforme à natureza. A democracia foi apenas um primeiro passo cuja meta era a participação de todos, mas, desvirtuada pela Revolução Francesa, estagnou no primeiro degrau, ao gáudio dos psicopatas. O approach do talentoso economista não enseja o menor reparo, mas seu título é paradoxal. Nunca houve, não há, nem jamais haverá democracia liberal, pela mais singela razão: a democracia é instituição de poder; e o liberalismo, de usufruto. Ela é dialética par excellence, no fito de apurar a síntese da metafísica projetada, enquanto ele é ético, autotranscendente. Expansivo, nunca restritivo.
Demócrito esteve em Atenas, mas, segundo o próprio, ninguém dele tomou conmhecimento. Até hoje, pelo visto. Nossa chance é ver um Paulo Guedes assumindo o poder para acabar com ele.
“Os americanos abusaram do poder de emitir a moeda reserva da economia mundial. E prosseguirão abusando enquanto os bancos centrais de todo o mundo continuarem absorvendo essas emissões para impedir a valorização de suas próprias moedas contra o dólar.”
Então não abusaram! Estão todos felizes! Alguém teria dó e piedade de bancos centrais? Se tivessem ‘mães’, venderiam e entregariam em domicílio…