Lula tornou-se advogado número 1 do que há de pior em Brasília, como atesta sua firme defesa a Sarney – e sua crítica à divulgação das maracutaias no Senado
Uma das perguntas mais interessantes do momento, na vida política brasileira, bem poderia ser a seguinte: qual será a próxima grande maracutaia – para utilizar uma palavra do seu repertório – que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai defender em público? Lula, cada vez mais, vai firmando sua fama como o advogado número 1 de tudo o que aparece de ruim nos usos e costumes de Brasília; tornou-se uma espécie de santo padroeiro das causas perdidas pelo Erário e dos personagens que tiram proveito delas. Seja o que for, e esteja onde estiver, Lula não falha: há alguns dias, lá nos confins do Cazaquistão, saiu em defesa radical do presidente do Senado, José Sarney, que a cada dia se afunda mais num melancólico atoleiro de revelações sobre sua conduta à frente da casa. A bola da vez é uma feia história de nomeação de sobrinhas, mais um neto natural e sua mãe, para empregos no Senado – tudo como fruto de “atos secretos”, pelos quais os senadores colocam em vigor decisões que querem ocultar do contribuinte.
Se nomear parentes e agregados por “ato secreto” não é uma maracutaia, o que seria? O que nos leva à próxima pergunta: o que alguém vai ter de fazer para Lula considerar errado? Não dá, realmente, para adivinhar. O que se sabe é que, para o presidente da República, Sarney e seus pares estão sendo as vítimas nessa história toda; o que está errado não são as nomeações por baixo do pano, mas sim publicar que elas foram feitas. A peça de defesa apresentada em favor de Sarney, na verdade, é uma pequena aula em matéria de distrair o público para vender mercadoria falsificada. A divulgação dos fatos, para começar, não é a divulgação dos fatos. Segundo Lula, é “denuncismo” – ou seja, informar o que aconteceu, e achar que os responsáveis por isso estão errados, é uma agressão. Ele informou, em seguida, que sempre fica “preocupado” com esses episódios, porque o processo “não tem fim, e depois não acontece nada”. Não disse, é claro, que o processo de denúncias só não tem fim porque a lambança não para – e que se acaba não acontecendo nada a culpa, com certeza, não é da imprensa. Lula sustentou, também, a extraordinária ideia de que haveria uma diferença entre pessoas que “têm história”, como Sarney, e o “cidadão comum”, o que daria ao senador direitos diferentes em relação aos demais brasileiros. Pelo fato de pertencer a uma categoria superior de cidadão, os “com história”, ele não pode ser tratado da mesma forma, perante a lei, que os “sem história”.
O presidente da República não se esqueceu, é claro, de afirmar que o caso das nomeações secretas merece uma “investigação séria”, para deixar registrada sua preocupação com a verdade. Mas investigação para quê, se ele já absolveu os acusados? E investigar o quê, se o que fizeram está escrito, assinado e admitido por eles mesmos? Para completar, Lula tirou da caixa de ferramentas, mais uma vez, o recurso de espalhar suspeitas em relação a quem divulgou o episódio – teriam, segundo insinua, algum propósito infame ao relatar o episódio das sobrinhas e outros tantos. “Eu acho que essa história precisa ser melhor explicada”, disse Lula – não a história das sobrinhas, naturalmente, mas sua publicação. Segundo ele, há “interesses por trás das denúncias”. Quais? De quem? O presidente não cita fatos nem nomes – lamenta, apenas, que se queira “enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil” e que seria muito ruim termos um Congresso “desmoralizado”. É mesmo? Poucos presidentes da República desmoralizaram tanto o Congresso como ele, ao dizer, no passado, que havia ali “300 picaretas”. E quanto ao próprio Sarney, especificamente, a imprensa jamais publicou uma fração das ofensas que Lula já lhe fez. Chamou-o de “grileiro do Maranhão” e sustentou que “Adhemar de Barros e Maluf podem ser ladrões, mas são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República”.
Hoje, um faz de conta que não falou. Outro faz de conta que não ouviu. E daí? A culpa é da imprensa.
(Exame – 25/06/2009)
“o que alguém vai ter de fazer para Lula considerar errado?”:
para o presidente, a questão não é o que a pessoa faz, mas de que lado ela está. Se for aliado, todos os atos serão perdoados. Se for inimigo…