Aos 40 dias de governo, Dilma Rousseff tem dado seguidos sinais de que sua gestão não será uma continuação da anterior. Nem poderia. Ela não teria como competir com Lula no seu principal quesito, que é o carisma. Ele tem uma história de vida fascinante, à qual alia uma retórica arrebatadora. Dilma terá de compensar tudo isso firmando uma imagem diferente. Em princípio – ao que parece – ela o fará primando pela racionalidade, pela firmeza e pela eficiência. Isso tudo a levará a divergir de seu criador. Ao menos no que tange aos aspectos mais polêmicos e heterodoxos de sua administração. Política exterior, por exemplo. Dilma já declarou que se vai contentar em defender valores universais, tais como os direitos humanos. E, também, em respeitar e fazer que sejam respeitados todos os acordos e contratos que forem estabelecidos com as demais nações.
Dilma não pretende seguir a espetaculosa diplomacia de Lula. Nos últimos oito anos, o nosso incansável ex-presidente perambulou e predicou pelo mundo inteiro. Agora já dá para fazer um balanço dos resultados.
Lula fez-se presente nas mais obscuras e desconhecidas nações da África. Oficialmente o fez para incrementar o nosso comércio. Na prática, tudo o que conseguiu foi alimentar nossa curiosidade por geografia.
Como um pai generoso, mostrou-se condescendente com todas as diabruras de nossos vizinhos, aqui, da América Latina. Triplicou o valor que o Brasil paga pela eletricidade do Paraguai, entregou refinarias brasileiras à Bolívia, defendeu intransigentemente a Venezuela, exaltou o regime de Cuba e cedeu a todas as chantagens comerciais da Argentina. Tudo a pretexto de manter uma política de boa vizinhança.
Comprou briga com os EUA a título de reafirmar a nossa autonomia, reconheceu a China como “economia de mercado”, cortejou a França como “parceira estratégica”, irritou tanto árabes como israelenses ao tentar intermediar os seus conflitos e se indispôs com o resto do mundo ao dar legitimidade ao regime vira-latas de Ahmadinejad, no Irã.
Fez tudo isso com o manifesto objetivo de conseguir para nós uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. E também, segundo ele, para fazer brilhar a imagem do Brasil no exterior. Quais foram os resultados? Vamos lá.
Os países africanos receberam Lula com grandes festas, e não passou disso. No que diz respeito ao comércio, eles não têm dinheiro para comprar nada da gente e nós não temos interesse em comprar nada deles. Fazer um intercâmbio de coqueiros talvez funcione.
Aqui, na América Latina, a imagem do Brasil é a de um grande e balofo cão São Bernardo que, na ânsia de agradar, faz papel de bobo perante os seus coleguinhas menores. A tão almejada “liderança natural” do Brasil no subcontinente, assim, ainda está muito longe de ser alcançada.
Ao contrário. Na Unasul e no Foro de São Paulo quem dá as cartas é Hugo Chávez, que, aliás, se valeu da vaidade e da boa-fé de Lula para nos pôr em situações difíceis. Foi ele que instigou Evo Morales, da Bolívia, a nacionalizar as empresas brasileiras e também transformou a nossa embaixada em Honduras em casa de repouso do ex-presidente de lá.
Lula dispôs-se até a enviar tropas brasileiras para garantir a paz no Haiti. Nossos soldados estão nesse país até hoje. E já faz mais de seis anos. Ninguém sabe quando e como sairemos de lá. Que benefício este gesto de generosidade nos trouxe? Nenhum. Quando ocorreu algo realmente sério – um terremoto -, os norte-americanos trataram de desembarcar por lá e resolver o problema sozinhos. Não confiaram nos nossos pracinhas para nada.
A propósito dos EUA, os nossos gestos de hostilidade a eles serviram apenas para reafirmar a nossa pretensa autonomia terceiro-mundista. Em termos comerciais e políticos, foi um verdadeiro desastre. Logo que assumiu a presidência, Barack Obama cuidou de afirmar, em público, que Lula era “o cara”. O nosso presidente levou a gentileza ao pé da letra, acreditou que era realmente um sujeito “especial”, e passou a esnobar o colega e o seu país.
Não que os norte-americanos tenham ficado muito sentidos com isso. Apenas o Departamento de Estado riscou o Brasil do mapa e, em consequência, nós perdemos uma chance histórica de vender etanol a eles. Obama já tinha declarado a sua intenção de buscar, em curto prazo, fontes “limpas” de combustível.
Quanto aos outros dois países ricos que Lula cultivou, ocorreu o seguinte: a China aproveitou o status de economia de mercado que o Brasil lhe concedeu para nos entupir de bugigangas fabricadas por lá. E nós não podemos mais levantar nenhuma barreira contra isso. Já quanto à França, a simpatia dela nos custou a promessa de lhes comprarmos três dezenas de aviões de combate.
Agora, a obra-prima da desastrada diplomacia lulista foi a inconsequente tentativa de intermediar um acordo em torno do programa nuclear iraniano. Será que o nosso ex-presidente estava tão cheio de si a ponto de acreditar – como ele mesmo declarou em público – que estava “conseguindo, em 24 horas, o que os americanos não obtiveram em 20 anos”?
O que o Brasil conseguiu, de fato, foi atrapalhar a negociação internacional de sanções contra o Irã. O mundo zangou-se por causa da nossa intromissão e o Brasil ficou com a fama de “parceiro não confiável”.
Até os países africanos – que Lula tanto cultivou – votaram contra a proposta brasileira na ONU. E nós contávamos com o apoio deles… Com tudo isso, o tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança ficou ainda mais distante.
Pensando bem, será que valeu a pena?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/02/2011
Isso é qué é pegar5 no pé da letra de ser crítico!!!