As acusações de tráfico de influência que derrubaram Erenice Guerra da Casa Civil em 2010 ameaçam agora o superministro Antonio Palocci. A importância de Palocci como peça de articulação do lulo- petismo com o establishment econômico e financeiro não pode ser subestimada. Foi um dos principais responsáveis pela bem-sucedida continuidade econômica durante uma complexa transição política. Palocci foi fundamental para a boa aterrissagem de Lula na dimensão econômica, da mesma forma como seria mais tarde o ex-presidente Sarney o responsável por sua blindagem na política convencional após o episódio do mensalão.
Palocci já fora alvejado por denúncias e derrubado da Fazenda. Seria um candidato natural à sucessão de Lula. Teria sido derrubado então pelas forças autofágicas de seu próprio partido, como estaria agora ocorrendo novamente? Seria o alvo de políticos situacionistas insatisfeitos por indicações não atendidas pela Casa Civil? Ou seria o alvo de oposicionistas insistindo em um terceiro turno? Houve no governo quem atribuísse o vazamento das informações sobre o súbito enriquecimento de Palocci ao PSD, partido em formação que seria força auxiliar da ala serrista do PSDB em São Paulo. Mas o próprio prefeito Gilberto Kassab, que não desperdiça palavras, segundo seu entrevistador Jorge Bastos Moreno no GLOBO, alegou que, pela natureza dos dados, o vazamento poderia ter vindo do Ministério da Fazenda.
Na superfície, essa é claramente uma crise de Palocci, não uma crise política. Como antes houve a crise da Erenice e também a outra crise de Palocci com seu caseiro. Mas abaixo da superfície temos as águas turvas e turbulentas de uma transição incompleta do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta. Pois é mesmo extraordinária a concentração de poder econômico e influência política na chefia da Casa Civil. Dos últimos quatro ocupantes, apenas Dilma Rousseff não foi vítima de um balaço, o que lhe permitiu escalar, como prêmio por seu desempenho, uma bem-sucedida indicação presidencial sob as asas da popularidade de Lula.
“Grande parte das crises que estamos vivendo deve-se exatamente à concentração de poder financeiro e político no governo federal. Nós precisamos resgatar a Federação”, ensaia o senador Aécio Neves. Descentralizar recursos e atribuições é exigência de uma democracia emergente. Pelo menos descentraliza o tráfico de influência.
Fonte: O Globo, 06/06/2011
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