Gastar muito é apenas um dos pecados financeiros do governo central. A esse pecado se soma uma perversão – a incontrolável inclinação para gastar mal e desperdiçar bilhões e bilhões extraídos de um dos contribuintes mais esfolados do mundo. Será preciso muito mais que o ajuste recém-anunciado, para a administração federal entregar ao brasileiro serviços e investimentos compatíveis com o dinheiro recolhido. O PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, ficará livre dos cortes, disseram os ministros da Fazenda e do Planejamento, ao detalhar para a imprensa a arrumação do orçamento de 2011. Mas cortar verbas do PAC seria quase uma piada. Dos R$ 96,3 bilhões, em valores correntes, autorizados no orçamento federal em quatro anos, o Tesouro desembolsou pouco mais de R$ 57 bilhões até o fim de 2010 – apenas 59% do total. A conta inclui restos a pagar.
Esses números correspondem apenas ao PAC orçamentário, financiado diretamente pelo Tesouro. Deixam clara, mais uma vez, a incapacidade do governo de administrar programas de investimento. O Executivo gasta muito, e com rapidez, quando se trata de custeio rotineiro, como a folha de salários e encargos sociais. Não é necessária muita competência administrativa para pagar o funcionalismo ou mesmo para conceder-lhe aumentos generosos e ajustar os valores da folha. Isso o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu fazer com eficiência nos dois mandatos, sem obter em troca maior produtividade e maior qualidade nos serviços prestados pelo setor público.
O ajuste nominal de R$ 50,1 bilhões corresponderá, em parte, a um corte de vento. Foram podados pouco mais de R$ 18 bilhões da receita prevista no orçamento aprovado pelo Congresso. Os congressistas, como sempre, haviam inflado por sua conta a arrecadação projetada pelo Ministério do Planejamento. Cortado esse vento, o Executivo deverá, como contrapartida, podar emendas parlamentares correspondentes à diferença de arrecadação. Nisso, pelo menos, o governo parece dar uma demonstração de coragem, mas de efeito limitado. As emendas, normalmente paroquiais, são uma forma de apropriação de recursos públicos para benefício eleitoral dos parlamentares.
O Executivo nem sempre libera as verbas para os projetos previstos nas emendas, mas aproveita seu poder de arbítrio (porque o orçamento não é impositivo) para comprar apoio e favorecer aliados. Não há inocente nessa história, embora os ministros da área financeira tendam a assumir o papel de defensores do Tesouro. São, com frequência, os únicos a vestir essa farda, especialmente quando seu chefe decide aparelhar a administração, conceder aumentos generosos ao funcionalismo e investir permanentemente no jogo eleitoral.
Quanto aos chefes dos demais Poderes, agem quase sempre como se as limitações financeiras fossem problema do Executivo e de ninguém mais. É a sua concepção da independência do Legislativo e do Judiciário. Combinada com o princípio da isonomia salarial, essa concepção reduz perigosamente as possibilidades de controle dos gastos públicos.
O ministro da Fazenda prometeu um ajuste suficiente para garantir o cumprimento das metas fiscais definidas para 2011. É pouco. Se o governo fizer apenas o necessário para retomar a trajetória de antes da crise, a rotina do desperdício será mantida e haverá pouco espaço e pouco estímulo para a racionalização do sistema tributário. A arrumação fiscal deste ano poderia ser, no entanto, o passo inicial de inovações muito mais ambiciosas na administração pública. A presidente Dilma Rousseff prometeu algo desse tipo, logo depois de eleita, ao prometer maior atenção à eficiência e à qualidade do gasto público – e da gestão federal, portanto.
Sem essa mudança, não haverá nem os investimentos necessários à expansão e à modernização da infraestrutura, nem a racionalização dos tributos, nem a execução dos programas indispensáveis à formação do capital humano procurado com dificuldade crescente pelas empresas. Será perdida – ninguém sabe por quanto tempo – a oportunidade de converter o Brasil numa potência econômica de primeiro time.
A correção do orçamento brasileiro não é um problema isolado nem um desafio restrito ao exercício fiscal de 2011. O orçamento é uma síntese dos obstáculos ao desenvolvimento econômico e social do País. A política orçamentária será uma política séria quando for entendida como componente de um grande projeto político e econômico.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/03/2011
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