O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já iniciou sua cruzada para ver aprovado pelo Congresso Nacional o plano que representa uma guinada na política fiscal, com corte de subsídios, redução de incentivos, aumento de impostos e recalibragem de benefícios previdenciários e trabalhistas. A forma de convencimento que escolheu para atrair parlamentares e a população em geral, é a mais direta possível: garantir a retomada do emprego e evitar a tendência atual de estagnação.
“O Congresso votar as medidas fiscais é importante para que as decisões que vão levar ao crescimento do emprego comecem a ser tomadas logo”, afirmou. “Temos que sinalizar mudanças rapidamente, para dar tempo de reverter, ainda este ano, essa tendência de estagnação”, afirmou o ministro.
Em entrevista por e-mail ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, Levy acena com aprimoramento das medidas e diz que vai participar das negociações. Para isso, pretende usar a experiência que teve na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no período em foi secretário de Fazenda e promoveu um ajuste nas contas do Estado.
Citando Keynes, o economista que criou a teoria econômica centrada na intervenção do Estado como garantidor do bem-estar social, o ministro afirmou que “ninguém rasga dinheiro”. Por isso, para investir, o empresariado “precisa alguma segurança, a começar pela fiscal”. Diminuir os subsídios e incentivos não vai fazer o Brasil parar, garante.
Na entrevista, Levy diz que o governo tem meios sim de cumprir a meta fiscal deste ano. Ele defende abertamente ajustes e governança “amarrada” no Fies e Pronatec, programas caros a presidente Dilma Rousseff. Afirma ainda que a Petrobras vai voltar a crescer depois que desatar o nó de seu balanço e mudar também sua governança, com a eleição de um novo Conselho de Administração. E diz que o espírito do ajuste é o do “bem”. “A economia vai entrar no eixo, mesmo que no curto prazo pareça difícil”, prevê. Veja a seguir, a íntegra da entrevista:
Estadão: As medidas enviadas ao Congresso enfrentam resistência. A meta fiscal de 1,2% está ameaçada?
Joaquim Levy: Não vejo ameaça. Em 2014, o emprego desacelerou fortemente porque foi ficando claro que insistir nas políticas “anticíclicas” não estava dando certo e não era sustentável. A incerteza fiscal começou a minar a vontade de investir e isso tinha que mudar. Então, estamos respondendo a essa realidade. Agora, a discussão no Congresso e na sociedade sobre qualquer medida legislativa é natural, e, em princípio, positiva. Isso é da essência da democracia. O que vale é que a população não só tem entendido a necessidade fiscal das medidas tomadas, mas também como essas medidas fortalecem a capacidade do Estado de implementar suas políticas sociais, reduzindo distorções e excessos da lei. As discussões e as votações vão trazer resultados para a economia.
Estadão: Mas o sr. vai entregar a meta prometida?
Levy: Não tenho dúvidas sobre isso. A presidente Dilma vem mostrando total comprometimento com o superávit de 1,2% do PIB para este ano. Há meios para chegarmos lá, sim.
Estadão: A eleição de Eduardo Cunha potencializa uma possível incerteza sobre a aprovação das medidas de ajuste?
Levy: O presidente Cunha é um parlamentar bastante experiente que, na posição em que se encontra, pensa, principalmente, na estabilidade e na capacidade do país crescer. Tenho convicção de que ele, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, conduzirão a votação das MPs enviadas pelo governo de forma a permitir a livre manifestação de eventuais preocupações do Congresso e a avaliação de possibilidades de aprimoramento dessas medidas, onde essas possibilidades existirem. Mas, há bastante entendimento de que são medidas indispensáveis para o Brasil voltar a crescer. E, deve-se lembrar, até agora não criamos novos impostos ou algo inusitado, simplesmente estamos normalizando algumas coisas que haviam sido afrouxadas na perspectiva anticíclica e que têm dado menos resultado agora. Anticíclico é temporário mesmo.
Estadão: Por que o ministro não vai entrar agora na linha de frente das negociações das pensões e do seguro-desemprego?
Levy: Não é exato que eu não vá participar. Governo é assim: você reparte tarefas para dar conta de tudo. É muito bom quando decidiu-se ter ministros experientes como o da Previdência Social e do Planejamento explicando ao público porque os ajustes nas regras das pensões nos aproximam de legislações que valem na maior parte dos países. Muitas pessoas têm dado apoio a essas propostas de mudanças, que protegem os direitos do trabalhador.
Estadão: Quando esteve à frente da Secretaria de Fazenda do Rio, o senhor ia à Assembleia Legislativa para explicar o ajuste nas contas do Estado?
Levy: Fui sim. Inclusive para discutir mudanças em leis, como a da tributação de ativos ligados à exploração do petróleo, que é muito importante no Rio, e a ampliação da transparência que fizemos lá.
Estadão: E como foi?
Levy: Um processo muito respeitoso e bastante direto. Técnico, mas “explicadinho”. Acho que os parlamentares, como todo mundo, gostam de entender bem o que se propõe e a necessidade, às vezes, até a urgência, das ações que tomamos. O processo é saudável e a liderança ali, com frequência, soube equilibrar os interesses de grupos específicos e o interesse geral, o que ajudou o Rio de Janeiro a ser o primeiro Estado brasileiro a ter o grau de investimento. E também a ganhar credibilidade, inclusive junto à União, para trazer a Olimpíada e abrir novas oportunidades de crescimento e bem estar para toda a população Fluminense.
Estadão: Que tipo de ajuste se faz com uma economia que não cresce? Se for muito forte não pode afundar ainda mais a atividade econômica e inviabilizar o próprio ajuste?
Levy: É importante a economia voltar a crescer. E para isso, as pessoas têm que saber o que propomos e se isso é sustentável. Equilíbrio fiscal, preços no lugar e medidas que facilitem as pessoas trabalharem e investirem dão o incentivo para se enfrentar, com sucesso, o novo ambiente global que está aí. A diminuição de subsídios e incentivos fiscais não vai fazer o país parar. Compatibilizar gastos com a arrecadação não vai parar o governo. Dada a arrecadação atual e o resultado primário de 2014, levar os gastos discricionários aos níveis de 2013 – que foi um ano até certo ponto expansionista, pode ser um caminho bastante seguro. A gente não está vivendo uma crise em que a economia só possa sobreviver com doses crescentes de amparo. Ficar na cama, debaixo do cobertor, pode ser bom. Mas, quando o despertador toca, a gente salta para ir trabalhar e ganhar a vida. É assim com as pessoas e os países que são vencedores.
Estadão: Então precisa do “espírito animal” dos empresários?
Levy: A muito repetida frase do Keynes, tinha a ver com o otimismo que ele considerava inato aos empresários. Empreendedor tem que ser otimista, não é? Senão, iria procurar atividades mais acomodadas, com salário garantido… Mas, apesar do contraste que ele fez entre a espontaneidade e a matemática financeira, ninguém rasga dinheiro. Assim, só vai haver retomada quando os empreendedores sentirem alguma segurança, a começar pela fiscal. Por isso, o Congresso votar as medidas fiscais é tão importante, para que as decisões que vão levar ao crescimento do emprego comecem a ser tomadas logo. As estatísticas mostram que só foram criados 150 mil empregos formais no ano passado. Portanto, temos que sinalizar mudanças rapidamente, para dar tempo de reverter, ainda este ano, essa tendência de estagnação.
Estadão: O governo vai cortar programas sociais? Fies e Pronatec serão atingidos? O ajuste corre o risco de sofrer resistência dos ministros?
Levy: O Ministério escolhido pela Presidente Dilma conta com pessoas extremamente experientes e já enfrentaram situações de desafio. O ministro Cid Gomes, que foi governador de um Estado que nos últimos 25 anos estabeleceu uma tradição de gestão fiscal, é exemplo de alguém que entende profundamente da Educação e está fazendo ajustes que vão melhorar e dar sustentabilidade a programas chaves para o Brasil. Aumentar o número de universitários é muito bom e tende a ajudar a aumentar o PIB potencial do país. Mas, na medida em que envolve o governo emitir bilhões de reais em dívida pública, para pagar mensalidades em faculdades particulares, é óbvio que a governança desse programa tem que ser muito bem amarrada. Senão, serão grandes decepções mais para frente. Dos estudantes, do contribuinte e do investidor. No Pronatec, também tem que focar na qualidade dos resultados e na governança. Especialmente quando a economia vai passar por uma reengenharia, devida à reversão dos preços das matérias primas. Nesse ambiente, a disponibilidade de mão de obra, com mais qualificação e muita motivação, vai ser o caminho para crescermos.
Estadão: Mas vai ter saco de maldades?
Levy: Essa é outra frase muito repetida por alguns. Não é o nosso espírito. O que temos feito é, na verdade, do bem. Quase sempre reduz disparidades entre pessoas e empresas ou setores, e é feito para por o Brasil de volta à rota do crescimento. E, como disse em algumas ocasiões, temos que ajustar as coisas ao fim do ciclo das commodities e diminuição das ações anticíclicas dos nossos principais parceiros, para aumentarmos nossa produtividade genuína.
Estadão: A nova equipe implantou o realismo tarifário, mas a inflação estourar o teto não é um grande problema para a Presidente?
Levy: O realismo tarifário é essencial para dar segurança à economia e ao investidor. Em um primeiro momento, isso tem um impacto nos preços, mas o efeito final na inflação depende da disciplina fiscal e da vigilância do Banco Central. Uma política fiscal não expansionista ajuda a evitar que um aumento de preços pontual se transforme em inflação, no sentido de um processo de realimentação de preços. E a política monetária tem que continuar a agir para dissipar aquele impacto inicial, evitando efeitos secundários sobre a inflação. A política monetária tem que ficar vigilante para as expectativas se manterem ancoradas. Esse é o compromisso do governo; e o que o Banco Central tem sinalizado, focando na convergência da inflação, após o impacto inicial, para o centro da banda admitida, isto é, para a meta, dos 4,5% ao ano.
Estadão: Qual é solução para o balanço da Petrobras? O senhor não quer integrar o Conselho da empresa?
Levy: A Petrobras já está dando a virada que todos queremos ver acontecer. O impasse contábil será vencido a tempo, com serenidade e muita transparência. Junto com a companhia, a auditoria independente vai achar a forma correta e aceita pelos reguladores do mercado para registrar o que for adequado. Com isso, as coisas boas da empresa voltarão a ser valorizadas, especialmente porque há um grande compromisso de reforçar os processos de gestão. Esse processo já começou no âmbito de produção e vai se ampliar para outras áreas, com o apoio, tenho convicção, dos funcionários, de toda a sociedade e dos investidores. A produção de petróleo e gás, que vinha caindo nos últimos anos, começou a crescer em 2014 e hoje já está em nível recorde. Esse aumento se deve principalmente ao pré-sal, que já responde por um terço da produção total, com quase 700 mil barris dia. Agora, a produção do gás associado deve começar a chegar em terra e pode ajudar a economia a ser mais competitiva. A gente não deve ser ufanista, mas de vez em quando vale à pena a gente dizer “O Brasil pode!”. Ou, para não maltratar o vernáculo, “a gente consegue fazer bem!”. Também é importante destacar o aumento de produção, com custos de extração moderados. Nos EUA, o baixo custo do gás fez mais pela retomada do crescimento do que a expansão fiscal, que acabou em 2011. A contribuição do setor de energia pode ser significativa para a economia brasileira retomar o crescimento, porque o que se precisa agora são choques positivos de oferta, que nos tragam vantagens competitivas de verdade. E aí, investimento, flexibilidade, concorrência são as ferramentas para o sucesso.
Estadão: O senhor não quer integrar o Conselho de Administrativo da empresa?
Levy: Acho que um conselho composto por pessoas experientes, evidentemente afinadas com o acionista majoritário, mas com autonomia e podendo dedicar muito tempo à empresa, é o mais adequado. A escolha do Conselho vai dar um sinal fundamental sobre os objetivos do governo, enquanto custodiante dos interesses do acionista majoritário, e sua capacidade de harmonizar institucionalmente eventuais estratégias de Estado com o bom funcionamento de empresas de capital misto, inclusive em outros setores.
Estadão: Se aproxima a data das visitas anuais das agências de rating ao Brasil. Elas vão chegar aqui e encontrar uma dívida bruta que subiu para 65% do PIB e o déficit público é de quase 7%, um dos maiores do mundo. O déficit em conta corrente fechou o ano passado em 4% do PIB e a inflação deve ficar acima do teto da meta em 2015. Temos também o caso Petrobras e o risco de racionamento. O que o senhor vai dizer?
Levy: Você descreveu uma fotografia não muito bonita: há indicadores que se deterioraram, inclusive o déficit externo. Mas a economia vai entrar no eixo, mesmo que no curto prazo pareça difícil. O país já mostrou isso outras vezes, quando havia desconfiança. A trajetória da dívida tem que ser de redução, até porque nossos competidores têm uma relação dívida sobre PIB mais baixa do que a nossa, e não estamos desejosos de entrar para o clube das grandes economias com redução de nota de risco, como alguns países desenvolvidos. Tenho dito, e não vejo porque pensar diferente, que o Brasil tem que ter por prioridade melhorar a nota da dívida pública. Ter a ambição de chegar à nota A. Não há motivos para rebaixamentos. Mas para progredir, toda a sociedade tem que eleger como prioridade o país melhorar seus indicadores fiscais. As pessoas têm que entender como isso influencia o aumento do emprego, o custo do dinheiro e outras coisas. E que vale a pena trabalhar para obter essa melhora, reduzindo subsídios, procurando diminuir a dualidade no mercado do crédito, reforçando a responsabilidade fiscal, para trazer confiança.
Estadão: Mas essas questões não estão longe do dia a dia do empresário e das pessoas na rua?
Levy: Pode parecer abstrato, mas para quem está na linha de frente, não escapou que a curva de juros mudou de inclinação nos últimos três meses. A ponta longa, que é a importante para o investidor, caiu. Esse é um exemplo de como expectativas afetam preços e comportamentos. Se a gente entregar o que está se propondo, tenho certeza de que a ponta longa pode continuar com inclinação favorável, mesmo com a curva americana subindo. E aí vamos ter crédito de longo prazo de verdade. Vamos ter uma economia mais livre e robusta. Não vai ser presente do céu, mas na medida em que avançarmos, que o equilíbrio fiscal melhorar, isso vai chegar às pessoas na rua e, antes disso, aos empresários.
Estadão: O sr. gerou bastante ruído com as declarações sobre taxa de câmbio. Será que a política cambial vai passar para as mãos da Fazenda, assim como era na época da Mantega?
Levy: O que eu falei foi um truísmo, em um dia um pouco mais agitado. E repeti o que o BC sempre fala: que o câmbio é livre e a sua atuação é para evitar volatilidade, porque a volatilidade nem sempre é favorável ao setor produtivo e ao consumidor. Ou seja, o câmbio reflete a realidade da economia. Aliás, por isso que, com a mudança dos termos de trocas que temos experimentado e uma política monetária vigilante, o câmbio real, que é o que interessa, já depreciou por volta de 30% nos últimos anos. O relevante é olhar o câmbio real efetivo contra a cesta de moedas dos nossos parceiros comerciais, alguns dos quais, como a China tem experimentado alguma apreciação recentemente. O presidente do BC, Alexandre Tombini, tem sido consistente a esse respeito, em toda parte. Não há novidade nisso e, apesar de talvez ser uma indiscrição, posso dizer que não comentei muito sobre minha recente ida ao G-20, mas ficou evidente ali como meu colega Alexandre é muito respeitado pelos principais banqueiros centrais e ministros do mundo. A verdade é simples: o Banco Central não tem nenhum objetivo com uma cotação específica do câmbio, pois atua basicamente para reduzir movimentos de volatilidade excessiva.
Estadão: Entendo, mas a lua-de-mel do mercado com a equipe econômica já acabou?
Levy: Acho que o mercado continua apostando no Brasil. É uma das melhores oportunidades do mundo e por isso o estrangeiro continua tendo apetite. A infraestrutura, por exemplo, se a gente acertar no modelo de concessão e de financiamento pelo mercado, pode criar valor para nós e para os investidores institucionais ao redor do mundo. O investidor doméstico, que tem uma grande exposição ao país, para quem o Brasil não é apenas “mais um” na sua carteira, evidentemente tende a ser mais exigente. Porque, antes de tudo, ele é um cidadão, com sua vida centrada aqui. Por isso mesmo, a vigilância dele é positiva e temos que explicar as coisas com clareza. Temos que dar detalhes das contas fiscais, do estágio das obras e prioridades do PAC, da situação e perspectivas dos outros programas, dos riscos, daquilo que está sendo feito para estimular a concorrência e a eficiência em toda a economia. Em uma economia complexa e aberta como a nossa, o importante para crescermos de forma equilibrada é o diálogo com o parlamento, com o trabalhador, com a sociedade e com o mercado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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