Tenho uma grande implicância com a expressão “falhas de mercado”. Ora, para que algo falhe, é preciso que não atinja o objetivo para o qual foi projetado, ou que seria capaz de alcançar caso trabalhasse com precisão. Por exemplo: um relógio que não marca hora certa, um carro que não se move, um goleiro que toma um frango ou uma empresa que não obtém lucro em suas operações.
Como o mercado não é um objeto, um sujeito ou uma organização, dele não se pode esperar que atinja determinado objetivo previamente planejado ou que funcione perfeitamente. O mercado é um processo complexo e espontâneo, que envolve o intercâmbio de produtos e serviços em larga escala. Tal processo é, sobretudo, altamente dinâmico. Através dos mecanismos de preços e lucros, que registram a intensidade dos desejos e necessidades dos consumidores, os empreendedores planejam o melhor emprego para os recursos à sua disposição, buscando otimizar a aplicação de recursos escassos (capitais, mão-de-obra, tecnologias, conhecimento, etc.) em função das utilidades da maioria dos consumidores.
Frequentemente, quando alguém alega falhas de mercado, imputa a este mero conceito abstrato obrigações e objetivos estranhos ao processo acima descrito. Mas não é função do mercado, como acreditam alguns, suprir as necessidades de todos, dar emprego e bons salários a cada um ou transformar-nos em seres igualmente ricos e prósperos. Ele tampouco pode evitar que os indivíduos façam escolhas erradas, tenham desejos e ambições diferentes, trabalhem, consumam ou poupem uns mais do que os outros.
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A alegação de mau funcionamento é usada quase sempre para justificar que os governos interfiram nos mercados. Porém, as decisões dos agentes públicos, a exemplo do que ocorre com todos nós, não são isentas de imperfeição ou imunes às paixões e à falibilidade intrínsecas ao restante da humanidade.
Todos os seres humanos estão sujeitos a cometer erros, estejam eles agindo por sua conta e risco, ou atuando em nome do governo. A diferença marcante está na abrangência desses erros. Enquanto o alcance das ações privadas é restrito, as decisões políticas, quando equivocadas, ainda que bem intencionadas, espalham seus efeitos nocivos sobre toda a nação. Por conta disso, como ensinou Benjamim Constant, é muito mais difícil – e leva muito mais tempo – sanar os danos causados por uma norma legal inadequada do que os prejuízos originados nas ações e escolhas individuais.
Os dirigistas costumam argumentar dando exemplos de políticas intervencionistas que deram certo no passado. Ora, é óbvio que, se olharmos esse mar de intervenção que há atualmente na vida econômica dos países, alguma coisa positiva encontraremos. Só que não dá para pensar políticas econômicas em cima de exceções, e a realidade demonstra que, na grande maioria das vezes, as intervenções tornam-se efetivamente nocivas, redundando em largos benefícios para uns poucos à custa da poupança de muitos.
Como ensinou Hayek, toda vez que os governos, freqüentemente seduzidos pela “arrogância fatal” de uns poucos iluminados, resolvem interferir na dinâmica complexa dos mercados, impondo à sociedade seus mirabolantes “planos estratégicos de desenvolvimento” ou as indefectíveis “políticas industriais”, o mercado perde um pouco da sua eficiência. Esses planos costumam falhar, basicamente, porque as pessoas têm necessidades e preferências tão diferentes quanto difusas, as quais a ninguém é dado conhecer com precisão.
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É absolutamente impossível predizer o resultado de bilhões de transações individuais, bem como os impulsos que geram as decisões e interações que culminam nestas transações. Para que alguém pudesse prever com precisão o comportamento do mercado, seria necessário estar ciente de cada pequena informação, dispersa de forma assimétrica entre milhões de pessoas.
Don Boudreaux costuma dizer que, quando os liberais recomendam as “soluções de mercado”, e não a intervenção do governo, é porque reconhecem que ninguém possui suficiente informação e conhecimento para determinar, a priori, quê particular método ou solução é melhor para lidar com problemas tão complexos. De fato, quando sugerimos a auto regulação do mercado, estamos recomendando que se deixe milhões de pessoas, cada uma com diferentes perspectivas, níveis de criatividade, informação e conhecimento contribuírem, voluntariamente, com suas idéias e esforços para solucionar as questões econômicas. Estamos recomendando não uma solução apenas, mas uma miríade de soluções descentralizadas, cada uma aplicável a um contexto ou circunstância diferente.
Em resumo, a opção por soluções de mercado é acima de tudo uma solução pela humildade, contra a arrogância do conhecimento. Quando dizemos “deixe o mercado cuidar disso” é porque admitimos não apenas que os nossos conhecimentos e habilidades são insuficientes para lidar com o problema, mas também que nem todos os grandes sábios do mundo, em conjunto, possuiriam as informações e o conhecimento guardados de forma dispersa por milhões de indivíduos.
Não há soluções mágicas. Complexos problemas sociais requerem a atenção de quantas mentes poderosas e criativas forem possíveis, algo que só o mercado é capaz de reunir.