Assistimos nas últimas semanas a um formidável choque entre as duas grandes forças que dirigem o comportamento das Bolsas em todo o mundo. De um lado, a deterioração dos fundamentos da economia real, derrubando os pregões. De outro, a política de injeção de dinheiro barato nos mercados financeiros, na tentativa de sustentar as cotações. Acabamos de ver como operam essas forças colossais no colapso recente dos preços das ações, seguido do forte repique em andamento.
A economia mundial está em desaceleração. Isso causou o vertiginoso colapso sincronizado dos mercados acionários até duas semanas atrás. As fortes quedas das cotações em pequenas janelas de tempo revelaram a mesma psicologia de pânico que capturou os investidores na crise de 2008-2009. A nova onda de pessimismo foi provocada pela piora dos fundamentos tanto na Europa quanto na América.
A entrada da Itália na linha de tiro dos eurocéticos e o aumento dos prêmios de risco oferecidos pelos governos no continente já haviam abalado os mercados globais. A crise política em Washington, o vácuo na liderança presidencial e os choques entre republicanos e democratas em torno dos limites da dívida americana foram o disparo para um mergulho sincronizado das Bolsas em escala planetária.
A crise dos orçamentos públicos nos dois lados do Atlântico impossibilita quaisquer esforços anticíclicos da política fiscal. A grande alavanca expansionista de Keynes está quebrada. Ainda mais grave, os governos agora terão de cortar gastos e aumentar impostos, reforçando a desaceleração do crescimento global. Por isso, permanecerão elevadas ainda por bastante tempo as taxas de desemprego nos países avançados. E os gigantes emergentes, Brasil, China e Índia, acabam de subir os juros na tentativa de frear a inflação, reforçando o esfriamento econômico.
Com os mercados até então em pânico pela espiral de queda nas Bolsas, foi providencial a reunião do Comitê de Operações de Mercado Aberto do banco central americano, o Federal Reserve (Fed). Persistindo o atual quadro de enfraquecimento da atividade econômica, o presidente do Fed, Ben Bernanke, anunciou que as taxas de juros sob seu controle continuarão próximas de zero pelo menos até meados de 2013. Essa perspectiva de juros baixos anunciada para um longo período de tempo futuro é sempre um fenômeno inebriante. E funcionou mais uma vez, interrompendo e revertendo a queda fulminante dos mercados acionários globais. O problema é que age como uma droga fornecida pelo banco central para realimentar o vício do dinheiro barato. “Vou dar outra dose de uísque para a Bolsa”, dizia Benjamin Strong, presidente do Fed de Nova York, ao reduzir mais uma vez os juros em julho de 1927, pouco antes da Grande Depressão.
A expansão excessiva de crédito esteve sempre por trás das maiores crises financeiras da história moderna: o crash de 1929 e a Grande Depressão dos anos 1930 nos Estados Unidos; o crash de 1989 e duas décadas de estagnação no Japão; e agora esta gigantesca crise, após o “bigue-bangue” da liquidez global no período 2003-2007. Em 2008, implodiram os bancos. E, em 2010-2011, os governos que os socorreram.
Assistimos aos desdobramentos financeiros de um mesmo fenômeno: tentativas frustradas de evitar artificialmente o fim de um longo ciclo de crescimento. O Fed está ficando sem munição, mas parece que vai cair atirando. Sua política de dinheiro barato não tem mais efeitos sobre a economia real. Toda a liquidez bombeada apenas sustenta a desalavancagem dos bancos, que acumulam reservas em vez de ampliar créditos. As empresas deixam de investir e guardam dinheiro. As famílias, excessivamente endividadas, reduzem o consumo. Tudo o que o Fed pode fazer agora é impedir o colapso dos preços das ações para evitar a queda da riqueza financeira dos americanos e o consequente desabamento do consumo, que realimentaria uma espiral de pânico financeiro. Mas com isso alimenta a próxima bolha: a dos títulos públicos americanos.
Fonte: revista Época
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