Há no ar uma crescente preocupação com o caminho por que enveredou a economia brasileira. Não faltam motivos para isso. A economia mundial move-se devagar, mas consistentemente, em uma direção que nos é menos favorável. Enquanto isso, nossos fundamentos econômicos se deterioram, com alta nos déficits externo e fiscal, expectativas de inflação desancoradas e forte queda do crescimento potencial do Produto Interno Bruto. Ainda mais preocupante, as autoridades não parecem suficientemente preocupadas com isso.
Para os analistas econômicos, o país vai precisar de um forte ajuste econômico em 2015, não só para corrigir os desequilíbrios criados pela atual política econômica, mas também para acelerar o crescimento e reagir ao quadro externo menos benigno.
Não é isso que o “povo” vê. A “economia do povo” é regida pela sensação de bem estar do cidadão, que depende, com alguma simplificação, do seu padrão de consumo. Influem no consumo o nível de emprego, o rendimento real, e o acesso ao crédito.
O emprego está em nível recorde: não só as pessoas têm onde trabalhar, como se preocupam pouco em deixar o trabalho atual, pois sabem que podem encontrar outro com relativa facilidade.
O rendimento real também vai bem. Não apenas a baixa taxa de desemprego eleva os salários, como as transferências governamentais, via previdência e assistência social, abrangem um universo crescente de beneficiários e canalizam benefícios cada vez maiores. Nunca tantos receberam tanto do governo. O rendimento real também vai bem porque o governo mantém baixos os preços de itens importantes da cesta de consumo, como a energia elétrica, a gasolina e as tarifas de ônibus e metrô, além de baixar outros, via desonerações tributárias, aí incluídos móveis, eletrodomésticos, carros etc.
Os bancos públicos têm se encarregado de expandir o crédito ao consumo. A melhor expressão disso é o programa Minha Casa Melhor, que subsidia a compra de eletrodomésticos pelos mutuários do Minha Casa Minha Vida, também este um programa que distribui subsídios creditícios.
Vê-se, portanto, que a economia do povo vai bem, bastante bem, aliás. Basta ver que nos últimos três anos as vendas varejistas de automóveis aumentaram 7% ao ano; as de itens de escritório, computação e comunicação, 12% ao ano; e o consumo aparente de gasolina, 13% ao ano. Nesse mesmo período, o PIB teve expansão média anual de 2,3%.
Por isso, apesar de todas as críticas de economistas e alguns empresários à política econômica, as pesquisas mostram que, se as eleições fossem hoje, o governo seria reeleito.
Mas será que essas duas economias, a dos economistas e a do povo, podem continuar divergindo assim por muito tempo? A maioria dos analistas acredita que não, apostando em um ajuste amplo e profundo depois das eleições. Eu acredito que isso está longe de ser uma certeza.
Em caso de reeleição, um ajuste forte é improvável. Afinal de contas, o povo terá votado pela manutenção da atual política econômica. Além disso, a presidente já deixou claro que acredita nessa política. Some-se a isso que um ajuste efetivo, que afaste o risco de que a dívida pública entre em uma dinâmica arriscada, traga a inflação para a meta de 4,5% e ajuste as contas externas, teria um custo alto, em termos de queda do nível de atividade, do emprego e dos rendimentos. Não vejo que a situação de financiamento externo, nem a de financiamento do setor público, se compliquem até 2015 a ponto de forçar um ajuste involuntário dessa natureza.
O mais provável, portanto, é que, em caso de reeleição, o governo dobre a aposta em promover a economia do povo, mesmo que sacrificando mais os fundamentos econômicos. Essa é a lógica da política eleitoral.
O sacrifício dos fundamentos em prol da economia do povo é a marca do modelo bolivariano. Na sua forma mais branda, leva à piora das contas fiscais e externas, na mais avançada, à expropriação de ativos. Nada ilustra isso melhor que o corte forçado, à metade, do preço dos eletrodomésticos na Venezuela, semanas antes das eleições municipais: é cortar ou ir para a cadeia. Felizmente ainda estamos distantes da situação venezuelana, ou mesmo argentina.
Caso a oposição vença as eleições, é mais provável que haja um ajuste. Primeiro, porque o novo governo poderá colocar a culpa naquele que saiu. Segundo, pois o comprometimento ideológico será menor. E, por fim, mas não menos importante, porque se a oposição ganhar é porque o povo não estava mais satisfeito com a atual política econômica e quis mudanças. Mesmo nesse caso, porém, é importante considerar que um ajuste forte terá um custo considerável, econômico e político. Não é claro que o novo governo queira se arriscar a sofrer uma grande queda de popularidade que o alije das eleições municipais de 2016.
Os riscos e incertezas são, portanto, não triviais. Resta esperar que a política surpreenda, aproximando mais o povo da percepção dos economistas, antes que uma crise o faça à força. Vamos torcer por isso.
Fonte: Valor Econômico
No Comment! Be the first one.