O filósofo romano Sêneca cunhou a frase: “A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida.” Passados 2 mil anos, o Brasil ainda não entendeu a lição. Embora tenha um gasto elevado com educação, acima do investimento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — o Brasil investe 5,6% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto a média dos países da OCDE é de 4,4% do PIB —, a distribuição dos investimentos por aluno é muito menor, ou seja, o foco não está no estudante, e nossos resultados são péssimos.
No ranking de competitividade mundial de 2022 (World Competitiveness Booklet 2022) do International Institute for Management Development (IMD), sediado na Suíça, o Brasil ocupa a posição 63 no índice de educação, a última posição. Está atrás, até mesmo, da Venezuela, que ocupa a 57ª posição na avaliação. Como se não bastasse estar atrás do pior país da América do Sul no ranking educacional do IMD, o Brasil também é um fracasso no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
Nos resultados do Pisa de 2018, os estudantes brasileiros obtiveram os piores resultados da América do Sul em matemática (com empate estatístico com a Argentina) e ciências (empatado com Argentina e Peru). Os estudantes brasileiros também se saíram mal em leitura, ficando na segunda pior posição — 50% dos brasileiros não atingiram o conhecimento mínimo em leitura que deveriam possuir até o final do ensino médio. A educação brasileira é tão ineficiente que 38% dos estudantes universitários não chegaram nem ao nível intermediário de alfabetismo: entraram no ensino superior sem saber o básico, conforme dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf).
A pandemia demonstrou claramente que muitos sindicatos de professores não consideram a educação como um serviço essencial, que deveria ser o último a fechar e o primeiro a abrir. A perda de aprendizagem dos estudantes brasileiros por causa das escolas fechadas na pandemia é espantosa: de 10 pontos na escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) para estudantes do ensino médio até o fim de 2020. Até o fim de 2021, a perda teria dobrado para 20 pontos. A estimativa é de um estudo que tem o economista Ricardo Paes de Barros entre os autores, uma parceria do Insper com o Itaú Unibanco.
“Para termos uma ideia do que são 10 pontos de perda na escala Saeb, ou 20 pontos de perda na escala Saeb, é importante comparar com o que um aluno tipicamente aprende no ensino médio na escala Saeb. Em língua portuguesa, ele aprende 20 pontos. Logo, perder 10 pontos é perder metade do que você vai aprender no ensino médio. Perder 20 pontos quer dizer que você perdeu tudo o que você aprenderia no ensino médio. Então, essa perda é gigantesca”, explicou Paes de Barros ao Nexo Jornal.
Enquanto isso, ao aprovar a Lei 14.276/21, que modifica regras do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Congresso não dirigiu recursos para melhorar o aprendizado do estudante. Em vez disso, manteve a exigência de aplicação mínima de 70% dos recursos anuais totais dos Fundos para o pagamento de salários dos profissionais da educação básica. Assim, perdemos a oportunidade de garantir que os recursos fossem investidos com foco no aprendizado dos alunos, com incentivos para que novos mecanismos e metodologias de ensino pudessem gerar melhores resultados.
Colocar mais recursos em um modelo com indicadores ruins é a lógica perfeita para o fracasso futuro. Embora as políticas públicas devam ser baseadas em dados e evidências, quando os dados e evidências são negativos para os interesses sindicais, eles costumam ignorar os resultados. É como se dados e evidências pudessem ser simplesmente descartados.
Precisamos de coragem para repensar a educação pública, que foi completamente estatizada no Brasil, principalmente a educação fundamental, para prover um futuro melhor para as crianças. As crianças de famílias carentes, que mais dependem da educação pública e que, muitas vezes, não possuem estrutura de apoio, são as que mais sofrem com a estatização da educação. Não há nada mais importante para uma nação do que ter uma boa educação fundamental. Como Sêneca alertou, a boa educação ecoa por toda a vida, fazendo com que, diariamente, as pessoas possam fazer melhores escolhas, gerando um círculo virtuoso.
As consequências da falta de educação fundamental de qualidade são brutais. O impacto econômico, embora seja gigantesco, não é o maior. O pior impacto é a baixa qualidade cívica de uma sociedade que não consegue ler, interpretar a bula de um remédio, avaliar adequadamente as políticas públicas nem fazer cálculos aritméticos simples. Isso impacta o futuro do país em todas as suas áreas.
Quando uma criança adquire as habilidades básicas de ler, escrever, interpretar textos e de dominar matemática na idade certa, um novo mundo se descortina para ela e, também, para o resto da sociedade. Com essas habilidades, as crianças poderão adquirir qualquer outra habilidade desejada. Cada cidadão com uma boa educação fundamental trará benefícios para todos os demais. Com os alicerces sólidos, não há limite para crescer e se desenvolver. Justamente por isso, todos os estudos mostram que a primeira infância (período de 0 aos 7 anos de idade) é tão importante para as crianças.
A conduta de boa parte dos sindicatos durante a pandemia mostrou que, na visão deles, educação não é tão essencial quanto saúde e segurança. Enquanto os profissionais da saúde e da segurança trabalharam, praticamente, durante toda a pandemia, cientes da importância e essencialidade dos seus papéis, destacados sindicatos de professores se empenharam para que as escolas fossem as primeiras instituições públicas a fechar e as últimas a abrir. Em países desenvolvidos, onde a educação é considerada um dos serviços mais essenciais, não foi isso que aconteceu.
Antes de se exigir que mais recursos sejam investidos em um modelo que se mostrou ineficiente, ineficaz e inefetivo, é preciso repensar a estrutura da educação. Com raras exceções — que precisam ser comemoradas e replicadas —, como regra, a educação estatal fracassou. Os sindicatos capturaram as secretarias de educação e não operam com foco no aprendizado do aluno. O foco foi, apenas, aumentar salários e benefícios dos profissionais da educação, mesmo que isso não signifique melhoria dos indicadores educacionais. Ou mudamos esse sistema, ou continuaremos sem aplicar a grande lição que Sêneca nos deixou.