Depois de uma eternidade sob a tutela de governos intervencionistas, o Brasil está experimentando um fenômeno auspicioso, que podemos chamar de primavera da liberdade, em que a tônica é a defesa da liberdade na economia, na política e nos meios culturais, dos direitos naturais e dos valores conservadores. Creio não ser exagero afirmar que o governo que se iniciou em janeiro deste ano é o primeiro, desde o golpe de 15 de novembro de 1889, de cariz nitidamente liberal-conservador.
É impossível afirmar se esse semblante do Estado vai durar ou não, mas o fato é que, pelo menos por enquanto, ele veio a calhar, pois está acontecendo no mesmo tempo que outra manifestação venturosa, a saber, a de que, para bem-estar de todos e felicidade geral, foram-se os tempos em que dizíamos, em tom de brincadeira, que os adeptos da Escola Austríaca no Brasil cabiam folgadamente em um fusquinha. Crescemos, estamos crescendo cada vez mais e pretendemos continuar crescendo.
Quero com isso dizer, obviamente, que aumentamos em número e que desfrutamos hoje, depois de muitos esforços abnegados de uns poucos precursores, de uma posição em que já nos procuram para ouvir nossas opiniões sobre o cenário econômico e as medidas da equipe econômica do governo.
Mas temos que ir muito além da presente euforia. Há numerosas tarefas a serem executadas, quase todas urgentes e sabemos que quatro anos de mandato não serão suficientes para que sejam todas realizadas. Por isso, e sabendo como a estrutura cultural influencia a economia, a política e muitas outras atividades, não podemos achar que o jogo está ganho e nos descuidar do essencial, que é contribuir para mostrar o quanto é errada e prejudicial à prosperidade da sociedade a estrutura intervencionista pesada característica do Brasil.
O caminho dos liberais e, em especial, o dos austríacos foi longo e cheio de percalços e ainda não chegamos ao destino. Em analogia com o futebol, o time liberal-conservador está no momento liderando com alguma folga o campeonato, mas há ainda muitas rodadas pela frente. E sabemos que os adversários – alguns dos quais desprovidos de escrúpulos – podem até estar em um mau momento, mas são fortes, bastante organizados, alguns jogam de modo sujo e, além disso, contam com o auxílio de muitos “árbitros” encastelados nas cortes, no Congresso e Assembleias estaduais e municipais, nas universidades, na mídia extrema e nas chamadas artes.
Temos, portanto, que nos organizar para percorrermos o restante do caminho, desviá-lo definitivamente da rota da servidão do passado e fazer com que seja uma avenida bastante larga rumo à prosperidade.
Vamos recapitular a trajetória da Escola Austríaca de Economia em nosso país, para depois tentarmos estabelecer uma agenda comum mínima, de sorte a garantir que os princípios gerais que defendemos passem a fazer parte da estrutura cultural, legal, política e econômica e não sejam abandonados, mesmo na hipótese – longe de ser improvável em qualquer regime não totalitário – de termos que viver novamente submetidos a governos “progressistas” daqui a quatro, oito, doze ou mais anos.
I – O carro de boi
Na primeira metade do século XX, no tempo do carro de boi e do Ford Bigode, anteriores ao Fusquinha, salvo alguma informação que desconheço, só havia um economista – que, a bem da verdade, era engenheiro – com tendência austríaca em nosso país, o saudoso e brilhante Professor Eugênio Gudin (1886-1986), decano dos economistas brasileiros. Em seu clássico Princípios de Economia Monetária, de 1943, o primeiro manual sobre moeda escrito por um brasileiro, ele citou Mises elogiosamente e, como deixou transparecer em depoimento de 2011, conforme as palavras abaixo, relatadas por seu aluno Julien M. Chacel, também conhecia e apreciava a obra de outros eminentes austríacos:
“… então sentava-se numa das quinas da mesa e olhava fixamente a cada um de nós, com seu límpido olhar azul, enquanto suas mãos grandes, expressivas e bem cuidadas ajudavam a sua fala no reviver das ideias de Cassel, Von Mises, Böhm- Bawerk, Wicksell, Harbeler e tantos outros até Keynes. O gesto comedido tinha quase a mesma força da palavra.”
Posteriormente, já em tempos de Fusca, surgiram dois outros nomes. O primeiro, um bravo lutador, foi o engenheiro e empresário Henry Maksoud (1929-2014), que divulgou metodicamente a Escola Austríaca em seu programa na TV e em sua revista Visão e que, entre 1977 e 1981, patrocinou três viagens de Hayek ao Brasil, mais especificamente para as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Santa Maria.
O segundo foi o economista e diplomata Roberto de Oliveira Campos (1917- 2001) que, nos anos 40, em sua dissertação de mestrado na Universidade George Washington, intitulada Algumas Inferências Sobre a Propagação Internacional dos Ciclos Econômicos e que permaneceu esquecida durante muito tempo até ser encontrada em 1970, confrontou as teorias de ciclos econômicos e crescimento de Hayek, Schumpeter e Keynes, analisando as limitações de cada uma e apontando para novos caminhos. Em A Lanterna na Popa, ao falar daquela dissertação (que o próprio Schumpeter, em carta, recomendara que fosse apresentada como tese de doutoramento), Campos chega a afirmar que um de seus “ídolos intelectuais da época” era o economista austríaco Joseph Schumpeter. Outro austríaco que também o influenciou, além de Mises e de seu amigo Hayek, foi Gottfried Haberler (1900-1995).
No primeiro lustro dos anos oitenta dois ensaios de liberdade são dignos de nota. O primeiro foi a criação do Instituto Liberal, em 1983, inicialmente no Rio de Janeiro, mas que se estendeu depois para várias capitais e municípios, a primeira instituição do país concebida para disseminar o liberalismo, mas que era bem mais próxima da Escola de Chicago do que da Austríaca e, o segundo, em 1984, foi a fundação, por um grupo de vinte liberais e empreendedores, em Porto Alegre, do IEE – Instituto de Estudos Empresariais, voltado para a promoção da economia de mercado e da livre iniciativa e a formação de lideranças com capacidade empreendedora. Ambas as instituições não são exclusivamente austríacas, mas foram e continuam sendo importantes na disseminação do liberalismo no Brasil.
Pouco depois, dos anos noventa até o fim da primeira década deste século, vieram os tempos – duros, mas saudosos – em que todos os economistas austríacos acadêmicos do Brasil somados eram suficientes tão somente para formar o solitário (e hoje quase lendário) trio, composto pelo autor deste artigo, no Rio de Janeiro, por Antony Mueller, hoje em Aracaju e por Fabio Barbieri, em Ribeirão Preto. Até 2010, éramos três mosqueteiros solitários que sequer nos conhecíamos pessoalmente e que brandíamos nossos floretes contra uma infinidade de soldados do exército de Keynes, dos “coletivos” de índole bolivariana de Marx e dos modelos econométricos da mainstream. Curiosamente, os campos de batalha do trio eram três universidades públicas, a UERJ, a Federal de Sergipe e a USP de Ribeirão Preto. (A esse respeito e respondendo a algumas críticas infundadas, escrevemos a três teclados o artigo Por que austríacos lecionam em universidades públicas, em 2012).
Ubiratan Iorio: “A economia brasileira em 2019 em seis perguntas e uma entrevista”
II – Do fusca à kombi, ao furgão, ao ônibus, ao Boeing e ao navio cruzeiro
O século XXI, especialmente esta segunda década, vem se constituindo em um promissor alvorecer para a Escola Austríaca em nosso país. Estamos, paulatinamente, de degrau em degrau, mas em velocidade crescente, invadindo o debate econômico, político e moral-cultural, antes monopolizado pelas diversas correntes intervencionistas e avessas à liberdade econômica e à economia de mercado. Somos os emissários da liberdade e viemos para fazer a terra do intervencionismo compreender como ela é importante.
Para bem-estar de todos e felicidade geral, foram-se aqueles tempos em que os três primeiros exemplares austríacos brasileiros circulavam folgadamente em uma kombi por todo o país. Assim, e desde a época do Prof. Gudin, os anos levaram os apreciadores da tradição de Menger a trocar, sucessivamente, o bucólico carro de boi pelo Fusca, depois por uma Kombi, esta por um Furgão mais espaçoso e daí, sucessivamente, eles passaram só a caber em um ônibus Mercedes-Marco Polo, em um Boeing 747-8 e em dez vagões inteiros de um metrô, até que hoje, lotam um Explorer of the Seas, atualmente o maior navio de cruzeiro do mundo.
Na primeira década do século atual, em 2007, ainda nos tempos do Orkut, surgiu o Instituto Mises Brasil, o primeiro a ter como foco – explicitado no próprio nome e no estatuto – a divulgação das obras de pensadores da Escola Austríaca. Ao trio inicial incorporou-se, então, o importante nome de Helio Beltrão, um seguidor da tradição de seu pai e ex-ministro de quem herdou, além do nome e sobrenome, a consciência do valor da liberdade. Hoje, ao cabo da segunda década, tudo se passa como se o nosso instituto tivesse sido contemplado com o poder de realizar o milagre da ubiquidade, que o fez multiplicar-se por todo o país, seja na forma de novos institutos, seja na de inúmeros grupos de estudos, edição de livros, cursos, seminários, palestras e outros eventos. A partir de 2010 o IMB vem realizando conferências bianuais, em 2013 iniciou a publicação regular da primeira revista acadêmica do Brasil exclusivamente dedicada à Escola Austríaca, cuja décima terceira edição será lançada dentro de alguns dias na VI Conferência e, no início de 2016, em outra realização pioneira, recebeu a primeira turma do PGEA – Curso de Pós-Graduação em Escola Austríaca. Mais recentemente, foi criada a Editora LVM – Liberdade, Valores e Mercado (ou, também, Ludwig Von Mises). Adicionalmente, é importante registrar que o site do Instituto Mises é, dentre todos os seus congêneres fora dos Estados Unidos, o de maior visitação em todo o mundo e que, graças à nossa página, pela primeira vez, a entrada “Mises” passou a ser mais consultada do que a entrada “Keynes” no Brasil. Tudo isso é fantástico e sempre é importante recordar que era simplesmente impensável não faz muito tempo atrás.
Depois do Instituto Mises, sucederam-se vários outros, como o da Formação de Líderes (IFL), o Millenium (IMIL), o Liberal do Nordeste (ILIN), o Ordem Livre, o Estudantes pela Liberdade (EPL) e a Rede Liberdade. E também, em meio a esse processo de crescimento, o liberalismo – e com ele a Escola Austríaca – foi ganhando espaço em grêmios e diretórios estudantis das universidades brasileiras, inclusive as públicas, até então dominadas exclusivamente pela esquerda.
Mas é preciso ressaltar que o crescimento frenético que se vem observando de uns dez anos para cá trouxe uma carga maior de responsabilidades, não só para o trio original, mas para todos os que vieram se juntar a nós, sejam economistas, advogados, cientistas políticos, filósofos políticos, historiadores, jornalistas e outros profissionais. Hoje, sabemos que somos em número muito maior e também que somos ouvidos por um público também muito maior – mas muito maior mesmo. Passamos a escrever regularmente artigos em importantes jornais, surgiram vários canais no Youtube e somos procurados para entrevistas por vários veículos de comunicação da grande mídia e da rede. Nas eleições de 2018, vários austríacos, alguns deles membros ou alunos do Instituto Mises ou ex-alunos nossos nas universidades, assim como diversos liberais e conservadores simpatizantes da Escola Austríaca, foram eleitos para o Parlamento e para as Câmaras estaduais e autores austríacos vêm sendo citados frequentemente nas casas legislativas e pelo próprio ministro da Economia que, embora não possa ser classificado como um austríaco “puro sangue”, já demonstrou muitas vezes que admira as obras de Hayek e Mises, bem como tem simpatia pela tradição de Carl Menger. Até um ministro do STF, recentemente, citou Mises em um daqueles votos recheados de palavras rebuscadas e de figuras de linguagem absolutamente incompreensíveis para os demais mortais. Mas citou – e isso é o que importa.
Entretanto, se é verdade que vencemos a primeira batalha, é também manifesto que a guerra está longe de terminar. Temos ainda muita coisa pela frente e isso é ótimo, porque significa que não vamos descansar enquanto todo o serviço não for feito, já que o senso do dever nos impele a prosseguir. Assim pensando e levando em conta que, depois de muitas décadas de intervencionismo e social democracia, somente agora as ideias liberais parecem ter encontrado a sua vez, atrevo-me a debuxar neste artigo uma proposta de agenda a ser seguida por todos os hoje numerosos adeptos da Escola Austríaca, para que não sejamos vistos no futuro apenas como uma onda que passou, ou um modismo temporário. Não podemos interromper nossa linha de passe, a bola não pode cair no chão.
Vamos começar sugerindo uma agenda imediata, a ser cumprida durante todo o tempo em que os principais movimentos pró-liberalismo do governo estiverem sendo discutidos e adotados. Refiro-me a coisas como a reforma da previdência com a passagem do regime de repartição para o de capitalização, as privatizações, as medidas de incentivo à liberdade econômica e de desburocratização contidas na MP 881/2019, a simplificação tributária, a complementação da reforma trabalhista, a diminuição da carga de impostos, a municipalização e estadualização das receitas tributárias para atender aos princípios medulares da subsidiariedade e do federalismo e a garantia clara dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade.
Temos plena consciência de que essa agenda de curto prazo não é composta por recomendações exclusivamente austríacas, mas sabemos que se coaduna indubitavelmente com elas, por ser, genérica e simplesmente, uma agenda liberal. Trata-se, sob o ponto de vista pragmático, de apoiar as mudanças que o ministro da Economia vem tentando efetuar, porque tanto as nossas teorias austríacas como a evidência empírica nos garantem que serão boas para o país, tendo em vista que, antes de sermos austríacos ou monetaristas, somos brasileiros e, se são boas para o Brasil, temos o dever de apoiar.
A aprovação dessas mudanças será uma árdua batalha, como vem sendo a da reforma da previdência e seguramente serão as demais, mas temos que ter em mente, durante esse período, primeiramente, que essa agenda liberal de curto prazo é a mais conveniente para o país e, segundo, que para ser transformada em realidade, é essencial a nossa aliança com os liberais de todos os matizes e, portanto, com os economistas mainstream liberais, como a maioria dos que estão na equipe econômica. É o Brasil – e não meras vaidades acadêmicas – que está em jogo.
III – Uma agenda para os austríacos
Quero destacar aqui uma observação que julgo ser da maior importância: se é verdade que depois de um longuíssimo período de marasmo social democrata estamos presentemente entrando em um novo ciclo, em uma primavera liberal, também é fato que, como todo ciclo que se preza, ele não vai durar para sempre. Em outras palavras, como estamos em um regime democrático e como esse regime consiste na alternância, determinada pelos eleitores, entre “direita” e “esquerda” ou, em linguagem mais apropriada, entre liberais conservadores e intervencionistas pseudoprogressistas, é perfeitamente possível que o Presidente atual seja reeleito, que daqui a oito anos faça o seu sucessor, que este seja reeleito, etc… Mas é inevitável que em algum dia chegue ao poder alguém e um grupo com tendências intervencionistas, ou “de esquerda”.
Ora, isto significa que se impõe à nossa consciência uma agenda para ser cumprida não só no curto prazo, enquanto quem estiver no poder for alguém do “nosso” lado. Temos que ir além e ser atrevidos: é fundamental que a estrutura cultural do país seja modificada, que os brasileiros se libertem do Paradoxo de Garshagen, que continuem a desconfiar de políticos, mas que parem de amar o Estado e a esperar dele que resolva os seus problemas particulares. Temos que olhar para o amanhã, evitar os erros de ontem e aproveitar a maré favorável de hoje, trabalhando para tornar muito difícil – não pela força, mas por uma rejeição natural calcada em uma nova estrutura cultural -, que, por exemplo, algum governo de esquerda resolva, daqui a não sabemos quantos anos, reestatizar as empresas que deverão ser privatizadas pelo governo atual.
Em recente artigo no site do Instituto Mises, o economista e professor da George Mason University, Donald Boudreaux, nos alerta:
“O maior serviço público que um economista sólido pode efetuar: derrubar mitos populares por meio de uma lógica direta e irrefutável”.
E acrescenta:
“As respostas para estas perguntas [sobre as questões econômicas e sociais] — e várias outras similares — são importantes. Porém, ainda mais importante é o hábito de inflexivelmente fazer tais perguntas”.
“Quando efetuada corretamente, a ciência econômica regularmente revela que aquilo que parece ser inegavelmente verdadeiro para o cidadão comum é normalmente uma miragem — ou ao menos algo altamente questionável”.
“Essa é, de longe, a principal função de um economista: fazer perguntas incômodas e apontar falácias. Nenhum outro serviço feito pelos economistas é tão importante quanto este”.
Parece, contudo, não haver dúvida de que podemos ir mais longe e substituir as palavras “economista sólido” por “cientista social sólido”. E afirmarmos, então, que a missão pública de um cientista social honesto e com boa formação deve ser a de destruir falácias com argumentos lógicos irrepreensíveis.
Precisamos aproveitar a onda liberal-conservadora atual para nos organizarmos, tal como a esquerda vem fazendo há décadas, ocupando todos os espaços possíveis na academia, na mídia e na cultura. Em outras palavras, temos que nos contrapor à estratégia gramsciana usando ela própria para mostrar ao grande público que praticamente tudo o que a propaganda da máquina esquerdista martelou incessantemente como verdades absolutas não passa de um grande conjunto de falácias, artimanhas e logros.
Impõe-se, hoje, reforçar convergências e adiar divergências existentes entre os austríacos e os liberais não austríacos, até que estejamos seguros de que os brasileiros não vão mais aceitar o retorno ao intervencionismo, aos controles, à burocracia, à velha política de troca de favores, aos subsídios aos amigos dos governantes, etc…
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O Prof. Israel M Kirzner, o mais proeminente economista vivo que segue a tradição de Carl Menger, ressaltou, a propósito das divergências e convergências entre Viena e Chicago, que:
“É importante não exagerar as diferenças entre as duas correntes… Existe uma quase surpreendente coincidência entre suas visões sobre muitas questões importantes de política econômica… mas ambas possuem basicamente o mesmo entendimento correto de como funciona um mercado, e isso é responsável pelo saudável respeito que as duas abordagens dividem em comum por suas realizações.”
Assim senso, nossa agenda para corrigir o viés estatizante da estrutura cultural e fortalecer as instituições de uma sociedade de indivíduos livres precisa conter dois tipos de ações, que devem necessariamente consistir na ocupação todo e qualquer espaço de divulgação existente, sem qualquer exceção: universidades, seminários, debates, artigos acadêmicos e em jornais, entrevistas, redes sociais, etc… Sim, o que Gramsci envenenou, com Gramsci deve ser curado, tal como faz um soro antiofídico depois de uma picada de cobra.
Ações de curto prazo
Aproveitando o momento favorável, em que o governo tenta implantar um caminho liberal, é importante esclarecer nossa visão de mundo, com explicações claras e sem rodeios e usando sempre a boa lógica para destruir os mitos e falácias engastadas nas almas brasileiras, formulando também as tais perguntas incômodas de Boudreaux e respondendo a todas.
Esse ementário deve ser cumprido desde já e obedecido até que as principais reformas de liberalização da sociedade sejam realizadas, total ou parcialmente e deve consistir em esclarecer, perguntar, responder, explicar, ensinar e derrubar falácias, defendendo os principais pontos comuns que compartilhamos com os Chicago boys: a propriedade privada, o livre comércio, a mobilidade de trabalho e capital e a globalização; a necessidade de harmonia entre economia de mercado, liberdade e ordem social; o poder do Estado deve ser limitado e o Estado deve cuidar essencialmente de defender a nação, a propriedade privada e de algumas outras tarefas, sem explicitar as posições mais radicais existentes em ambas as escolas (Murray Rothbard e David Friedman, por exemplo); a privatização, desestatização, destributação, desregulamentação e desburocratização; o federalismo e o respeito ao princípio da subsidiariedade; o conhecimento dos prejuízos da centralização e os porquês dos motes mais Brasil e menos Brasília, mais Mises e menos Marx e Mais Hayek e menos Keynes; a inevitabilidade das desigualdades e a importância da igualdade de oportunidades; a superioridade das soluções de mercado sobre as “soluções” do Estado para as “falhas de mercado”, a educação e a saúde; o caráter exclusivamente monetário da inflação; a falaciosidade patente das teorias da exploração marxista e do intervencionismo keynesiano; os males provocados pelo patrimonialismo, o corporativismo, o welfare state, o nanny state, a concessão de todo e qualquer privilégio, o rent seeking e o privilege seeking; a não necessidade de déficits públicos e os danos causados por eles, pelo endividamento do Estado e pela tributação progressiva; o caráter totalitário do planejamento central socialista; a percepção de que a democracia não deve ser considerada como fim, mas como meio; a certeza inabalável de que todo e qualquer controle de preços, seja de bens e serviços, seja da taxa de câmbio, salários, lucros, aluguéis e tarifas, sempre resulta em fracasso; a compreensão de que a legislação trabalhista e sobre o salário mínimo desorganiza a economia e tranca o progresso.
Ações permanentes
Uma vez estabelecidos os alicerces institucionais de uma sociedade liberal ou, como preferia Hayek, de uma sociedade de homens livres, os austríacos estarão em condições de relaxar as convergências e dar mais atenção às divergências com os demais liberais, que podem ser resumidas em oito, sendo cinco delas de natureza teórica e três com implicações práticas importantes.
As cinco primeiras são: a questão metodológica, que do ponto de vista da teoria é uma divergência importantíssima; o contraste, também teoricamente bastante importante, entre a visão neoclássica de mercados em equilíbrio e a abordagem austríaca do processo de mercado; as questões relativas à chamada “macroeconomia”; as teorias do capital, da moeda e dos juros; e as teorias dos ciclos econômicos. Entretanto, essa “briga” da primeira parte da agenda permanente deverá ser travada à parte da economia do mundo real, a saber, nos departamentos de economia das universidades e nos demais meios acadêmicos.
Já as três seguintes são mais importantes do ponto de vista objetivo, devendo merecer atenção maior da nossa parte. São elas: a questão das “falhas de mercado”, cuja existência os austríacos negam e que poderá resultar em menos intervenções do governo caso a visão austríaca prevaleça; a discussão, que também pode ter reflexos nas ações humanas no mundo, sobre o melhor meio que o governo deve usar para que a moeda seja “saudável”, se deve ser a regra x de Friedman para a política monetária com banco central “independente”, ou o padrão ouro, ou o free banking; e a própria necessidade da existência de bancos centrais e reservas fracionárias.
É isso. O desafio está na mesa, senhores. Vamos prosseguir encarando-o de frente, na certeza de que quem conseguiu passar do carro de boi e do fusca para o monumental cruzeiro não pode intimidar-se diante dele.
Fonte: “Blog Ubiratan Iorio”, 06/05/2019