A atual ideia de escola é fruto de sedimentos superpostos ao longo de vários séculos. A ideia de ensino sistematizado começou há cerca de 30 séculos, logo depois da invenção do alfabeto. Cinco séculos antes de nossa Era, Platão sistematizou a ideia de currículo, que permaneceu bastante inalterada até por volta do século XVIII.
Ao longo da Idade Média, a educação profissional se dava entre mestres e aprendizes, e a universidade surgiu pela livre iniciativa de docentes que iam atrás dos alunos dispostos a pagar por seus ensinamentos. Com a Idade Moderna, surgiram novas ciências — que precisavam ser desenvolvidas, aprendidas e ensinadas. E também surgiu a didática como instrumento para o ensino de grupos de alunos. O movimento conhecido como “enciclopedismo” tentou organizar o conhecimento em disciplinas. A revolução industrial juntou essas ideias e criou o modelo que conhecemos de organização escolar, inspirado no modelo industrial de produção em série.
Àquela altura, todos os componentes do que conhecemos como escola já existiam — professores, currículos, alunos, sistemas de avaliação e certificação. A grande novidade foi o critério usado para agrupar os alunos (idade), de forma a permitir uma expansão mais rápida e eficiente. Até mesmo as classes multiseriadas seguiam normas específicas de funcionamento — os alunos de diferentes idades eram agrupados em fileiras. A aprendizagem era avaliada pelo mestre. Até hoje seguimos este modelo. Mudar não será fácil.
Mudar a escola significa alterar alguns de seus parâmetros de funcionamento: o currículo (o que aprender), a forma de agrupar os alunos (por idade ou outro critério), o critério de agrupamento (por interesses, séries ou outro critério), a didática (ensino individual, presencial, à distância, via computador, mediada pelo professor etc.) e as formas de avaliação. Qualquer dessas mudanças envolve rupturas radicais na estrutura escolar e no sistema de poder — e por isso é tão difícil mudar a escola.
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Hoje dispomos de evidências, conhecimentos e instrumentos que permitiriam efetuar mudanças radicais na estrutura da escola e torná-la muito mais interessante, eficaz e eficiente. Experimentos em maior ou menor escala já comprovaram a viabilidade de alterar todos os parâmetros acima — e, em tese, tudo pode funcionar bem. Onde estão os desafios? Onde se situam os entraves?
Se observarmos os sistemas educacionais mais avançados do mundo, onde menos se mexeu foi no currículo. Dificilmente um sistema escolar irá sobreviver sem uma escolha judiciosa do que ensinar e sem especificar de maneira rigorosa o que precisa ser aprendido — e provavelmente isso continuará a ser feito na forma de disciplinas escolares. Dificilmente as disciplinas serão muito diferentes das atuais — língua, matemática, ciências e algo de humanidades e artes. Esta é a forma como o conhecimento é produzido e organizado e, do que sabemos ate hoje, é a melhor forma de assegurar o acesso dos indivíduos a novos conhecimentos.
A outra área onde pouco se mexeu foi na avaliação — testes e outras evidências de aprendizagem pelo aluno continuam a ser usados como mecanismos de aferição de conhecimento. Isso também dificilmente irá mudar — embora a avaliação não precise estar necessariamente vinculada a um professor ou escola.
Quanto ao mais, tudo poderá mudar. Há evidências suficientes para criar escolas sem muros, com agrupamentos realizados por diferentes critérios de idade, tamanho ou interesses, ou até mesmo escolas sem professores ou com professores assumindo novas e diferentes funções.
Dois fatores parecem impedir essas mudanças. O primeiro é a inércia — professores, diretores e autoridades educacionais dificilmente abrirão mão de seus “direitos”, prerrogativas, estruturas de poder e modos de fazer.
O segundo é o espaço institucional para inovar. O caso das tecnologias na educação é o mais bem conhecido. Sabemos que as tecnologias existentes são capazes de lidar com grande parte dos desafios e tarefas hoje desempenhadas por professores e escolas, e, em alguns casos, podem fazer muito melhor e de maneira mais eficiente. O problema é que não existe espaço para conceber uma escola a partir dessas tecnologias e de novos arranjos institucionais — até aqui, o uso de novas tecnologias tem sido submetido aos critérios e regras da escola formal. Isso reduz o seu impacto e a possibilidade de testar os seus limites.
Para resumir, a “escola do futuro” — qualquer que seja a sua forma — possivelmente será muito semelhante à escola do presente e do passado no que se refere à existência de currículos e programas bem estruturados. E vai continuar a exigir dos alunos esforço e persistência — por mais interessante que seja ou pareça ser. Também estará associada a mecanismos de avaliação que, na sua essência, não serão muito diferentes dos atuais. Mas poderá ser totalmente diferente em todos os demais aspectos. O desafio é institucional: como criar espaços para inovar sem a camisa de força do atual modelo escolar?
Fonte: “Veja”, 18/08/2017.
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