Este deve ser o meu último artigo deste ano. As atenções voltam-se para o ano que vem. O futuro é sempre cercado de incertezas. Projeções são sempre frágeis. Mas o ano que vem parece mais incerto do que o costumeiro.
Nem sempre estamos diante da possibilidade real de desintegração de uma importante região monetária – a zona do euro – no mundo. Só a perspectiva desse fim já reduz a atividade econômica na Europa e no restante do mundo.
No Brasil, tudo indica que a economia começará o ano com atividade fraca e se recuperará no segundo semestre, desde que a confusão na zona do euro o permita. As medidas de estímulo adotadas pelo governo ajudarão nessa recuperação, mas provavelmente não permitirão a volta da inflação ao centro da meta – 4,5%.
A zona do euro está em perigo. Após o fracasso do último plano europeu, restaram poucas alternativas. Apenas alguns dias depois do anúncio, a fragilidade desse plano ficou clara. A Grécia teve de mudar o governo para continuar com o plano de ajuste (e a reestruturação da dívida), os bancos na região saíram vendendo ativos e retraindo o crédito – com impactos sobre a economia – para evitar a capitalização forçada, e o fundo europeu continua do tamanho original – 440 bilhões -, sem sinal da “alavancagem” para 1,5 trilhão, com que tantos sonharam.
Agora as atenções estão voltadas para “o emprestador de última instância” – o Banco Central Europeu (BCE) -, percebido hoje mais como “salvador de última instância” ou “comprador de títulos de última instância”. Não há demanda suficiente para os títulos da Itália, da Espanha, de Portugal, da Irlanda e da Grécia pelos investidores. As taxas de juros exigidas para rolar a dívida tornaram-se altas o suficiente para ameaçar a percepção de solvência de todos esses países. Há que baixar os juros, mas os títulos precisam ser vendidos, e ninguém se candidata voluntariamente a comprar mais barato. O BCE está sob pressão para comprar quantidades muito elevadas – acima de 1 trilhão. Afinal, a instituição pode “pagar” pelos títulos com os euros que emite. Seria a monetização da dívida problemática. A percepção é: BCE ou a quebra do euro.
A solução de envolver o BCE dessa forma está longe de ser consensual. Há resistências. Afinal, o BCE foi criado para manter a estabilidade monetária, algo que a monetização em larga escala vai fazer ruir. E o precedente é algo que pode ameaçar a sobrevivência do euro no futuro. Basta os países membros acreditarem que serão sempre salvos pelo BCE e relaxarem as suas políticas fiscais de forma sistemática. A solução seria aprofundar os laços na zona do euro. A união monetária tem de ser acompanhada por uma união fiscal. Aqueles que no final pagam a conta têm de ser responsáveis também pelo desenho do orçamento. Mas uma união fiscal levará anos para se construir, como ocorre quando envolve mais de uma dezena de países, cada um renunciando à sua soberania fiscal.
Na falta de uma união fiscal e de um consenso sobre a intervenção do BCE, o risco é de um ou vários países saírem do euro em 2012. Não será uma saída silenciosa, ninguém desenhou um plano de reversão da união monetária. Não há cláusulas nem regras estabelecidas.
Como ficam as dívidas dos países que adotarem sua própria moeda: vão continuar denominados em euro ou haverá quebra de contrato? Se não houver quebra de contrato, a depreciação na própria moeda vai tornar ainda mais difícil o pagamento da dívida em euro? O sistema bancário terá de lidar com empresas endividadas em euros e receitas na nova moeda. Esta, definitivamente, não parece uma saída organizada.
Mesmo sem ruptura do euro, caminhamos para uma recessão na Europa. Os gastos de todos se retraem com os ajustes fiscais e a incerteza que cerca o futuro. O mundo deve desacelerar, como consequência. O crescimento nos EUA e na China já é menor e deve ser influenciado pela recessão na Europa.
No Brasil, a desaceleração global vai se contrapor às medidas de estímulo já adotadas. O resultado sobre a economia brasileira – PIB, inflação, nível dos juros e câmbio – vai depender da combinação dessas forças, assim como dos instrumentos de política econômica utilizados. Provavelmente vamos observar uma desaceleração mais intensa no começo do ano e uma recuperação no final de 2012.
A desaceleração que já está em curso é resultado, em boa parte, das medidas de aperto adotadas para combater a inflação – juros mais altos, restrições de crédito e menor crescimento dos gastos. Com a desaceleração global se intensificando e com os estoques ainda elevados neste final de ano, poderemos observar um crescimento mais fraco no começo do ano que vem.
Os estímulos adotados pelo governo – inclusive a queda da taxa de juros, que esperamos continue em queda – devem afetar a economia e levar a uma recuperação de atividade na segunda metade do ano. Em especial, os juros reais (juros descontando a inflação) podem cair a uma faixa de 3%-4% em 2012, o que, aliado ao aumento do salário mínimo e ao crescimento maior dos gastos públicos, é bastante estimulativo. O risco de a recuperação não se concretizar no ano que vem é externo. As incertezas na Europa podem se intensificar e há o risco de uma ruptura na zona do euro.
A forma como a política econômica reage a essa desaceleração é relevante. É importante evitar excessos para não ter de lidar com uma alta de inflação em 2013. Se, ao contrário, for necessário intensificar os estímulos, parece mais eficiente fazê-lo por meio da redução da taxa de juros que de outras medidas de estímulo (fiscais, “macroprudenciais”, etc.).
Um ano interessante nos espera. Garanto apenas uma coisa: não sofreremos de tédio.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 06/12/2011
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