Alçado ao status de poder independente pela Constituição de 1988, o Ministério Público Federal (MPF) tem sido eficaz na defesa dos interesses difusos da sociedade e nas investigações de corrupção. Seu trabalho na Operação Lava-Jato, malgrados os excessos, tem contribuído para punir indivíduos poderosos que se julgavam imunes ao rigor da lei.
Isso não justifica, todavia, que se mantenha o processo de escolha do chefe do MPF pelos seus próprios pares, inventado por eles mesmos. A opinião pública é favorável, é verdade, com base em interpretação, a meu ver equivocada, de que o processo seria desejável e democrático. A ideia, adotada em universidades públicas, nem sempre tem sido a melhor.
Nas democracias avançadas, a escolha de reitores de universidades e de titulares de órgãos do Estado costuma ser feita por critérios impessoais, inclusive com a participação de empresas especializadas (headhunters). Escolhas para cargos públicos em eleições diretas existem nos Estados Unidos (eleito pelo povo, diga-se), mas apenas para promotores e juízes de primeira instância.
No caso da chefia do MPF, procuradores se candidatam e fazem campanhas como nas disputas políticas, incluindo promessas eleitorais provavelmente corporativistas. Uma lista tríplice é apresentada ao presidente da República para sua escolha. Em 2001, quando esse processo surgiu, Fernando Henrique Cardoso fez sua escolha fora da lista, sob protestos.
A partir do governo Lula, a escolha passou a recair sempre no primeiro da lista. Esse estranho processo eleitoral se consolidou. A corporação sempre espera que o escolhido seja o primeiro da lista. Ai do presidente se optar por um dos outros dois. Acontece que não existe, na Constituição ou nas leis, qualquer regra que consagre um método de escolha de um dirigente escolhido exclusivamente por sua corporação. Dificilmente existe em outros países, nem consta que seja o melhor.
Fala-se que Michel Temer escolherá o substituto de Rodrigo Janot, cujo mandato se encerra em setembro, sem levar em conta a lista tríplice. Se assim o fizer, estará simplesmente exercendo a prerrogativa do cargo. A reação será negativa, com insinuações sobre os motivos da decisão, inclusive a de que o objetivo seria o de matar a Operação Lava Jato.
Uma decisão desse tipo, tomada por um presidente impopular e apontado em atos de corrupção nas delações premiadas, incluindo a de Joesley Batista, da JBS, aguçará desconfianças e alimentará teorias conspiratórias. Temer pode, por isso, escolher o primeiro da lista.
Seja como for, em algum momento será preciso discutir o estranho processo de escolha do chefe do MPF, incluindo o estabelecimento de regras para prevenir o risco de interferência política na nomeação.
Fonte: “Veja”, 12 de junho de 2017.
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