Quando se esperava uma prova bombástica contra o Planalto, o depoimento do ex-ministro Sergio Moro foi absolutamente contido, medido e ponderado. Para alguns, o gesto demonstrou fraqueza e inconsistência argumentativa. Ledo engano. Com cálculo e perícia, o ex-juiz age sem pressa, com uma estratégia pensada à luz das sempre cambiantes circunstâncias do poder.
O fato é que a angústia da hora lhe seria prejudicial. Isso porque, além de revelar antecipadamente eventuais provas materiais de que dispõe – tornando-o, assim, vulnerável a reações jurídicas e políticas –, o ex-ministro tem plena consciência de que o inquérito é procedimento informativo à futura denúncia penal ou a mero pedido de arquivamento, caso inexistam elementos mínimos à configuração delitiva. Portanto, o inquérito dispõe de uma dinâmica própria, podendo transcorrer territórios mais largos ou ficar adstrito a distâncias mais curtas; são as sinuosidades da situação específica que determinam a exatidão de suas fronteiras.
Em precedente histórico, capitaneado pela sabedoria do grande Evandro Lins e Silva, a Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que “o inquérito é peça meramente informativa a que o Juiz dará o valor que merecer” (j. 21.02.1967). Ironicamente, dias mais tarde, o ilustre Relator, acompanhado dos não menos ilustres Victor Nunes e Hermes Lima, seria convidado compulsoriamente a se afastar do Supremo, em página triste das instituições brasileiras. Todavia, a propriedade da ideia ainda resplandece no céu da República, fazendo eco na atual jurisprudência da Corte.
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Voltando ao caso, é um equívoco pensar que a manifestação judicial de Sergio Moro foi infrutífera. Ora, a realidade faz prova do oposto.
A partir do que fora revelado, a autoridade judicial já ordenou a oitiva de 3 (três) ministros nucleares ao Palácio do Planalto, sendo ainda determinada a juntada de gravação da reunião ministerial que versou sobres os fatos controvertidos. Adicionalmente, o eminente Relator, Min. Celso de Mello, esclareceu que, nos termos da lei, poderá a Polícia Federal proceder outras medidas de caráter investigatório, tal como a requisição à ABIN de protocolos e relatórios de sua competência.
Como se vê, o inquérito andou e avança de forma consistente. Todavia, ainda é cedo para antever a inteireza de suas consequências e profundidades. Se será apto a ensejar eventual denúncia-crime, é simplesmente impossível prever, pois sujeita aos deslindes naturais da fase de investigação. Aliás, é de intuir que, nos dias que virão, teremos uma melhor conformação probatória, de forma a viabilizar juízos mais seguros. Até mesmo porque o açodamento, em lides penais, é fonte, regra geral, de injustiças clamorosas. Portanto, a cautela, aqui, deve ser máxima.
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Quanto aos próximos passos, a oitiva, em especial, do delegado Maurício Valeixo poderá ser absolutamente determinante. Afinal, além de ser um dos pivôs da crise, dispõe de informações relevantíssimas quanto a eventuais pressões indevidas e consequentes abusos de poder. Se assim o for, eventual tipificação penal poderá se mostrar mais factível, pois, por enquanto, da fumaça apenas resta o pó. Em tempo, talvez por coincidências do destino, já houve alteração na Superintendência do Rio de Janeiro, com oportuna promoção do agente público que lá estava. Tais dados da realidade elevam a importância do inquérito em curso, reforçando o cuidado, zelo e legalidade que devem nortear os trabalhos investigatórios.
De tudo, resta a certeza de que Sergio Moro age, como lhe é peculiar, de forma pensada, meticulosa e estratégica. Não se afoba e usa o tempo a seu favor. Agora, lides políticas não são processos judiciais. Em tal dicotomia necessária, residem as respostas que ditarão o futuro do Brasil. Que seja por um país melhor, mais ético, justo e decente. E, como bem disse Rui, “com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 06/05/2020