Na procura por um gênero teatral que melhor expressasse o que passa nos mercados e na política europeia neste momento, a “farsa” – misto de comédia e crítica social dos comportamentos desviantes – me pareceu o tipo de representação mais plausível de uma realidade ao mesmo tempo apavorante e burlesca.
Com direito a personagens como Silvio Berlusconi, agora substituído por alguém sério (então, de que brincávamos antes na Itália?) os mercados vão se nutrindo de histórias inverossímeis que, no entanto, empurram as cotações das bolsas, por alguns dias, para menos perto do precipício.
No entanto, os juros praticados, nas últimas horas, na rolagem dos papeis de dívida europeus – agora não se fala apenas de Grécia, Portugal ou Irlanda – nos põem em estado de alerta.
A Espanha já estava pagando ontem juros de 7% na rolagem de seus títulos de 10 anos, contra 5,4% ainda no mês passado, um nível crítico de 500 pontos de base em relação ao papel de referência, que é o alemão.
Feitas as contas de quem vem sendo poupado do contágio da influenza financeira, nem mesmo a França passa no teste de sanidade. Seus spreads estão se mexendo perigosamente. Apenas a Alemanha se salva, como bastião da integridade econômica de uma comunidade de países, desfeita num mar de dúvidas.
A farsa está no modo como os políticos são, de certo modo, obrigados a conduzir o processo, tentando preservar as aparências diante de um evidente esfacelamento das reais condições de manutenção do valor real dos compromissos financeiros assumidos.
O público assiste pela TV ao entra-e-sai de autoridades, em salas de reuniões invariavelmente apresentadas pelos dramáticos repórteres como “decisivas para o futuro da Comunidade”. É a farsa em seus estágios intermediários.
Nada poderá ser resolvido da forma anunciada, senão quando for enfrentada a recapitalização do sistema bancário – algo que a chefe do FMI, a francesa Christine Lagarde, num momento de desatenção ao seu papel no script da peça, apontou direta e objetivamente, sendo logo criticada como afoita, por suas declarações “despropositadas”. Isso foi em agosto e, até agora, passado o fim melancólico do G-20 (para quê serve?) nada de aparecer a tal quantia módica (palavra farsante) de 1 trilhão de euros para se fazer essa injeção.
As grandes agências de rating têm dado sua quota de contribuição ao espetáculo. No gênero teatral da farsa, às vezes o autor emprega um personagem secundário, encarregado exclusivamente de relatar à plateia o que ela mesma já percebe sem qualquer ajuda.
Porém, esse é um meio de pontuar a narrativa teatral que, para os mercados, no caso em questão, é como se fosse o aviso de que tal ou qual país “piorou”, imediatamente deflagrando uma onda de falsas ou verdadeiras surpresas, fazendo desabar as cotações, até que a trama seja recuperada, provisoriamente, por outro personagem que protesta contra aquela imprudente revelação.
Ora, a análise financeira das agências sobre os riscos está prejudicada por um desacerto básico e invencível: sua escala de notas, ainda atribuindo o grau máximo AAA a países muito endividados e com sistemas bancários estressados não faz o mínimo sentido lógico.
E os mercados tentam ir corrigindo esse erro de avaliação na prática, ao elevar o custo de rolagem das dívidas dos países. Neste momento, a farsa toma rumo de um drama, com leves tons de tragédia.
Fonte: Brasil Econômico, 18/11/2011
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