Em seu instigante artigo “Corrupção e poder”, publicado no “GLOBO” deste domingo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denuncia a cristalização de um esquema de manutenção de poder baseado na corrupção: “O que era episódico se tornou um sistema, o que era um desvio de conduta individual se tornou prática aceita para garantir a governabilidade.”
A busca do poder com base na corrupção sistêmica é atribuída por FHC a “uma visão de mundo, uma ideologia que santifica o Estado, que justifica eticamente o que se faz dentro do governo e faz de conta que não vê o desvio de dinheiro público, desde que seja para ajudar os partidos a se manterem no poder”. Um estadista entre nossos ex-presidentes vivos, FHC já nos advertira antes quanto ao “ressurgimento de um autoritarismo burocrático com poder econômico e financeiro, um capitalismo de Estado dirigido por partido hegemônico atuando sob interesses de grandes corporações”.
FHC registra a degeneração da política brasileira, “do fisiologismo, do apadrinhamento e do clientelismo tradicionais do governo Sarney” até a fase atual, em que “os partidos se aninham em ministérios e constroem redes de arrecadação por onde passam recursos públicos que abastecem seus caixas e os bolsos de alguns dirigentes, militantes e cúmplices. Há apenas dois lados: o dos partidos da base governista, que são os condôminos do Estado, e o lado dos que estão fora da partilha do saque”.
A aproximação histórica entre enormes estruturas burocráticas de administração centralizada e regimes políticos degenerados é abundantemente documentada. A questão política fundamental não pode ser apenas como chegar ao poder e mantê-lo, mas essencialmente em que dimensões se exercerá tal poder.
As denúncias de FHC fazem eco entre os que se dedicam à construção de uma Grande Sociedade Aberta em terras brasileiras. São mais do que apenas um novo capítulo de uma feroz disputa intestina de nossa obsoleta social-democracia, embora tenham os tucanos mexido na Constituição para garantir a reeleição de FHC, mas não para fazer as necessárias reformas de modernização. Como o ex-presidente teve a seu alcance, por dois mandatos, a possibilidade de encaminhar não apenas uma reforma política como também uma reforma dessa hipertrofia do governo federal, verdadeira máquina de moer adversários, pouco mais poderia fazer agora que desejar à presidente Dilma boa sorte na faxina.
Fonte: O Globo, 07/11/2011
Sergio,
Achei boa essa porrada que o Paulo dá no FHC. Nao sei se vc tem acompanhado todo este debate sobre corrupção.
Seu amigo Ricardo PB tem participado dos debates no Millenium e há umas semanas deu uma aula na Casa do Saber num curso planejado pelo IM.
Abraço
Dada
As reformas da era FHC foram feitas dentro da reconstrução da estrutura financeira do Estado, depois da fase inflacionária, e para agilizar serviços e investimentos. Não houve reforma do núcleo do Estado, apenas da periferia das estatais. Em consequência, foi mantido o edifício construído desde o regime militar e a degeneração iniciada com o mensalão cristalizou o modelo de fazer da corrupção o exercício da própria política de Estado: comprova o loteamento dos ministérios aos partidos de apoio.
No caso da relação promíscua do governo federal, que já dura nove anos, com as ONGs, já cabe a abertura de CPI para apurar este fato certo, segundo os ditames do §3º do art. 58 da Constituição da República de 1988. Qual a razão de nossos congressistas ainda não terem feito isso? E o povo: quando é que vai cessar de marchar só em favor de assuntos menos importantes do que a boa versação do dinheiro público em nosso país? ALEXANDRE COUTINHO PAGLIARINI